domingo, 31 de agosto de 2014

Como na Canção dos Beatles: Norwegian Wood (Noruwei no mori) - Tran Anh Hung


O diretor vietnamita Tran Anh Hung foi muito bem recebido com seu longa de estréia O cheiro de papaia verde, mas passando mais discretamente com seus filmes seguintes.

Quase vinte anos depois lança Como na canção dos Beatles em abordagem jovial e moderna mas combinada com extrema poesia.

Baseado no livro de Haruki Murakami, Hung conta a história do jovem Toru: suas amizades, primeiros amores, entrada na faculdade...

É o próprio Toru quem narra sua história, começando pela amizade entre ele e o casal Kizuki e Naoko, situação que parece poder ter vários desdobramentos, mas logo é interrompida com a morte de Kizuki.


Sem assimilar ou refletir sobre essa perda, ele logo muda sua vida entrando na faculdade e se mudando para Tóquio.

Ali começa uma vida mais independente (morando sozinho ou com colegas) e de agito político e social do final dos anos 60 (muita música - indicada até pelo título, protestos contra a guerra do Vietnã, mudanças comportamentais e liberação sexual).

Porém o filme tem uma abordagem introspectiva, se aproxima das personagens de maneira delicada e poética.

Toru é um garoto sensível e em idade de se apaixonar e desabrochar, mesmo sem definir sua busca, ele parece à procura de amor e o amor acaba o procurando também.

Ele começa se envolvendo com a Naoko, mas ela entra em depressão e se afasta para fazer um tratamento.

Ele como um bom romântico se coloca paciente e devoto, mas não se fecha a novas situações que lhe aparecem.

Toru não sabe como lidar com tantas emoções ao seu redor e muitas vezes parece apenas re-agir de acordo com o que seus amigos ou as garotas lhe propõe e questionam.

Muito mais do que colocar situações específicas, o filme parece abordar temas abstratos como a paixão, o amor, o desejo, a fidelidade, o ciúme, a melancolia, o fim...

E Hung tem um jeito muito sedutor de filmar, sua câmera apresenta as personagens com beleza e graciosidade e nos faz nos apaixonar por elas.

Mérito também do grande diretor de fotografia Ping Bin Lee - parceiro, entre outros, de Wong Kar-Wai, com quem fez a obras-prima Amor à flor da pele e autor de filmes como Renoir, já comentado aqui.

A música também nos seduz e envolve, sejam os Beatles e outros contemporâneos da história, ou os melancólicos acordes instrumentais.

O roteiro e a decupagem propõe ainda um ritmo que nos leva a outro tempo, seja o psicológico ou o libertário e paradoxal (especialmente numa cultura tradicional e conservadora como a japonesa), que nos faz lembrar de filmes como Os Sonhadores ou Depois de Maio - também comentado aqui.

E como o tempo e os temas representados são de extrema riqueza e complexidade, na trama de Como na canção dos Beatles não há tanto espaço para a simplicidade da banda inglesa, pois ele toca em temas muito mais profundos e para isso faltam elementos.

Faltam entendermos mais a psicologia das personagens e poder analisar melhor os acontecimentos (que chegam a mortes e suicídios), na distância a que somos colocados podemos apenas compartilhar dos sentimentos, através de lentes etéreas, e, mesmo sem entender, conseguimos nos emocionar junto a esses primeiros amores, primeiras paixões e primeiras (e em alguns casos fatais) desilusões.

Como jovens podemos entrar nessa história e passar duas horas profundas com ela, mas se nos distanciarmos, veremos que ela ainda poderia amadurecer um pouco mais...

quarta-feira, 27 de agosto de 2014

Amantes Eternos (Only lovers left alive) - Jim Jarmush


O diretor Jim Jarmush foi se tornando figura "clássica" entre certo nicho alternativo americano. Filmes como Down by law, Café e cigarros e Flores Partidas mostram seu cinema que combina elementos prosaicos e personagens excêntricos.

Em seu filme mais recente: Only lovers left alive (com título traduzido de maneira simplificada para Amantes Eternos), Jarmush aproveita a imortalidade de seu casal de protagonistas para fazer uma reflexão sobre a humanidade e os ciclos de seus séculos mais recentes de história.

Os vampiros vividos pelo ator pop Tom Hiddleston e pela versátil e sempre surpreendente Tilda Swinton, já destacada aqui por trabalhos como Um sonho de amor, interessante filme de Luca Guadagnino

O homem de Londres, do genial diretor húngaro Bela Tarr, já comentados aqui.

O casal Adam e Eve tem um clima blasé, ele com certa desilusão e melancolia e ela com certo tédio e resignação. Amantes de (muito) longa data, não tem a urgência da paixão tão afeita às românticas histórias de vampiros, mas uma cumplicidade de tudo que já viveram juntos. 

Porém esse passado com um potencial tão rico se torna um índice enciclopédico de tudo que eles viram no mundo e todas as pessoas que conheceram (grandes músicos, filósofos, poetas, escritores, cientistas...

(faz lembrar um pouco Meia-noite em Paris de Woody Allen - também comentado aqui - ou a música Gita de Raul Seixas, mas sem a mesma graciosidade).

Dentro das brincadeiras enciclopédicas há também certa questão sobre a autoria X anonimato X reconhecimento X celebridade, mas que não é muito trabalhada.

O filme também não explora muito o interessantíssimo conflito da possibilidade da vida eterna, há o desconforto e alguma inquietação, mas não vai muito além. 

Apresenta-se a estagnação de amadurecimento das personagens, ressaltados pela coadjuvante Ava, adolescente vivida pela jovem promissora Mia Wasikowska e  esboça-se o desejo de suicídio Adam, mas nada que seja levado a fundo.

O conflito melhor delineado é a crítica desses vampiros aos "zumbis", maneira a como eles se referem aos humanos, serem preocupados com o consumo (ora de carros e petróleo, ora de água...);

Vivendo ciclos de degradações do planeta e deles próprios (doenças como pestes ou aids, que acabam pondo em risco à própria "vida" dos vampiros, eternos consumidores de sangue, chegando a aniquilar Marlowe, personagem vivido por John Hurt).

Diversas questões existenciais, filosóficas, sociais e políticas, muito estilo (fotografia, arte, montagem e trilha sonora), mas que terminam em uma trajetória  (secularmente) linear, estimulando aos mais próximos desses temas e metáforas, mas sem muitas emoções. 

quarta-feira, 20 de agosto de 2014

Breno Silveira: Dois Filhos de Francisco; Era uma vez; e Gonzaga: de pai para filho


Breno Silveira tem um excelente faro pra histórias: consegue pensar tramas com apelo comercial, que retratem bem o país e fazer uma direção competente, mas que ora alcança grande profundidade e dramaticidade e ora resvala em simplismo e desequilíbrio narrativo.


Sua estréia em longas-metragens veio com o sucesso Dois Filhos de Francisco, baseado na história da família de Zezé de Camargo e Luciano

O filme começa mostrando maravilhosamente (boa fotografia, direção de arte, decupagem, montagem, construção de cenas e atuações - com destaque para os meninos, Ângelo Antônio, Dira Paes e José Dumont).

A vida de uma família simples, num cotidiano de um interior bem brasileiro, sem muitos apelos, de maneira singela e comovente nos cativa. O pai apaixonado por música que dedica e investe no talento dos filhos, que, ainda meninos, vão ganhando destaque e fazendo sucesso. 

Entretanto um grande drama interrompe a história de ascensão promissora: um acidente mata um dos meninos e a história se perde.

Nem o título passa a fazer mais sentido. Uma série de acontecimentos parecem querer dar conta dos dados biográficos sem que haja um cuidado dramatúrgico. 

Mesmo nessa segunda parte há grandes qualidades: muitas cenas boas e personagens que continuam sendo ricas e interessantes.

Falta o foco em relação aos conflitos e uma boa amarração entre todos eles. Mas como se trata de uma história real, baseada em uma dupla sertaneja de grande sucesso, o filme se apóia nisso.


Em seguida veio o filme Era uma vez: uma história de amor impossível, aos moldes de Romeu e Julieta

Aqui a contraposição da família e da sociedade em relação à paixão dos jovens se dá por questões sociais - o rapaz da favela e a moça da elite, numa bela paisagem carioca.


Argumento competente mas que novamente encontra no roteiro - diálogos e cenas previsíveis - um grande obstáculo. 

Aqui ainda a falta de atores de mais peso dramático compromete um pouco. O casal jovem parece promissor (interpretado por Vitória Frate e Thiago Martins - que já havia trabalhado em Cidade de Deus e depois seguiu por diversos trabalhos em novelas da Globo ou filmes como Abismo Prateado - já comentado aqui), mas não sustenta uma história tão trágica. 

Assim, a dramaticidade das cenas acabam tropeçando um pouco e comprometendo o resultado final.


Em seu último filme Breno volta às histórias verídicas musicais: Gonzaga: de pai pra filho

Não era preciso muito para fazer desse passado real uma trama dramática e musicalmente envolvente, mas a escolha arriscada de Breno de escolher atores - ou não atores - que estivessem mais próximos da habilidade musical e da semelhança física fez com que a atuação fosse muito fraca. 


Diversas cenas extremamente dramáticas são apresentadas em planos gerais com os atores de costas tamanha a fragilidade da atuação.

A trama também fica um pouco novelesca e se perde em diálogos simplórios demais.

Se salva a linda história, as estonteantes paisagens, bela direção de arte e fotografia e a trilha musical. Somar Gonzagão e Gonzaguinha já havia dado muito certo na vida real e nas telas de cinema não poderia ser diferente.


Uma pena não haver um retoque de roteiro e investimento de interpretação.


De qualquer maneira esse espaço que Breno Silveira vem tentando conquistar no cinema nacional, de um diálogo mais popular mas com potenciais dramáticos e psicológicos e grande qualidade técnica é louvável e deve ser seguido e perpetuado. Que venham novos exemplares!

terça-feira, 19 de agosto de 2014

O Grande Hotel Budapeste (The Grand Budapest Hotel) - Wes Anderson


O diretor americano Wes Anderson vem consolidando seu imaginário fantástico de múltiplos e excêntricos personagens:

histórias estéticas, onde as caricaturas vão desde a construção de personagens (sempre com grandes atuações), até artificialismos de diálogos e a estética toda rebuscada: decupagem, paisagens, cenários, figurinos...


O primeiro destaque de Anderson veio com Os Excêntricos Tenenbaums, seguido por A Vida aquática de Steve Zissou e Viagem à Darjeeling.


Agora Anderson segue a peculiaridade de sua narrativa com O Grande Hotel Budapeste, inspirado nas narrativas de Stefan Zweig.

O filme tem como figura central o concierge Gustave - vivido por Ralph Fiennes - personagem ideal para observar tudo que se passa em um hotel e que por sua origem pode ter um olhar crítico e contrastar com as grandes figuras de alta classe.


Gustave manipula e conquista a todos, inclusive ciúmes e inveja e assim se vê em meio a mortes, crimes e mal entendidos.

Quando uma das ricas hóspedes amantes de Gustave morre, ele tem que lutar para conseguir receber a herança que ela lhe deixou.


Para isso conta com a ajuda do lobby boy do hotel, seu subordinado e fiel pupilo.

Em meio a essa trama aparecem diversos personagens (outro mérito de Anderson ter conseguido reunir tamanho elenco de peso internacional com Jude Law, Tilda Swinton, Adrien Brody, Willem Dafoe, Bill Murray, Léa Seydoux, Edward Norton, entre tantos outros).


Entretanto nem as personagens nem a trama se aprofundam, é apenas uma sucessão de esquetes divertidas e mirabolantes. 

Para quem gosta de narrativas mais fantásticas e até histriônicas está aí mais um belo exemplar de Anderson para se deliciar!