Climas foi o primeiro sucesso do diretor turco Nuri Bilge Ceylan, também conhecido pelo ótimo Three Monkeys e o aclamado Era uma vez na Anatólia - já comentado aqui.
Em Climas Ceylan já mostrava uma densidade na construção de personagens e histórias e maturidade na direção.
A história do desencontro de um casal, no qual os climas oscilam, os desejos se confrontam e os choques de sentimentos e personalidades implodem em cada um.
Em descrições silenciosas, lacônicas e intimistas, muitas vezes chegando a um tom selvagem. Planos em superclose, sons e ruídos em primeiro plano, ações violentas e extensas, planos demorados e contemplativos.
Tudo realmente trabalhando os "climas" desse casal, enfrentando de primaveras a invernos rigorosos.
Numa narrativa que também não se atém tanto aos fatos, como o recém comentado aquiAmor Profundo, e sim nas dimensões dos sentimentos e das decisões.
Pensar em se separar, se defrontar com o vazio, se reconstruir, se resgatar... Enfrentar ou fugir... Se achar ou se perder... Seguir...
O inglês Terence Davies começou sua carreira como ator nos anos 60 e no final dos 70 começou a se arriscar na direção.
Seus filmes não são muitos conhecidos, mas Amor Profundo chega agora com certo destaque.
O filme começa com lindas imagens e trilha, em uma contundência poética impressionante.
E a poesia e sentimentos parecem ser mais forte na trama do que os fatos propriamente.
Baseado em peça de Terence Rattigan, o filme conta a história de uma jovem que se vê dividida entre o marido que lhe dá carinho estabilidade e confiança ou o amante, que lhe faz sentir o fervor da paixão em seus lados positivos e negativos.
Mas o filme trabalha numa temática intangível, não são os fatos, mas os sentimentos que estão presentes, e de maneira etérea e realmente profunda.
Faz lembrar outros romances que não adensam tanto na psicologia, mas numa representação de sentimentos, pensamentos e sensações, como o ótimo Foi Apenas um Sonho - adaptação de Sam Mendes para o belo romance de Richard Yates - já comentado aqui.
A semelhança se dá também no tom das protagonistas. Kate Winslet está extremamente bem em Foi Apenas um Sonho, contida, densa, madura, dando à sua beleza uma profundidade.
O mesmo se dá com Rachel Weisz aqui. A atriz diz em seus silêncios, emociona em seus olhares e é precisa em seus gestos, mesmo quando arrebatados, inseguros, descontrolados.
Outra semelhança entre os filmes é a época em que se passa: os anos 50. Amor Profundo trabalha o clima de pós guerra da Inglaterra em 55 e tem um trabalho estético apurado nesta reconstituição.
Não tanto pela arte de adereços e figurinos, mas mais pela fotografia, em tons e filtros que se assemelham à ficção produzida nesta época.
A crise da personagem e seu amor profundo - ou seu profundo mar azul - talvez se estendam um pouco excessivamente no filme, certos diálogos e gestos se repetem um pouco, e certos esteticismos (foto, som etc) parecem afetação.
Mas o que fica do filme é mais um clima, uma dor, questões de paixões, amores, separações - tão difíceis de se retratar fora do novelesco e do clichê, e por isso tão louváveis quando vem com vigor e frescor.
Poesia pura, menos pelas texturas, cores, sons, gestos, movimentos, palavras, sentimentos, mas sim pelos olhares que constroem tudo isso.
O filme começa falando de Elena, irmã da diretora-narradora. Desde suas primeiras aspirações artísticas na infância e adolescência.
Até a busca das artes em sua vida de maneira mais profunda e planejada, e por isso mais desafiadora e ameaçadora.
Mas quem fala é principalmente a irmã, Petra, a nenê que nasceu e foi cuidada por uma menina Elena; que cresceu brincando (e fazendo de contas) com uma Elena adolescente.
E que depois se viu sozinha e perdida após a sua morte. E que hoje, se tornando mulher, buscando sua maturidade, busca um caminho próprio, em que as reflexões sobre a irmã são importantes.
Muito mais do que um filme sobre Elena e sua morte, é um filme sobre uma busca pessoal por um ente querido que partiu. A dissociação do que vai e do que fica, o processo do luto, a incompreensão, a dor eterna, a nostalgia.
Reflexões transcendentais...
Petra é extremamente corajosa na exposição que faz de si e de sua família, sentimentos profundamente íntimos se transformando em arte, pulsando dentro daqueles que assistem ao filme.
Essa exposição é propiciada por um arquivo audiovisual importante da família: vídeos caseiros, fotos, recortes de jornal, cartas, desenhos...
Tipo de filme com o qual teremos cada vez mais chance de nos deparar.
Filmes não apenas experimentais como de videoartistas como Regina Silveira, Cao Guimarães, Kiko Goifman e tantos outros. Mas filmes em estruturas de maior diálogo e construídos em estrutura de ficções.
Como o exemplo maravilhoso Na Captura dos Friedmans, um documentário dramático que tenta investigar a acusação de um crime visto de dentro do caos familiar dos envolvidos, já comentado aqui.
Elena não se foca em ações, não quer investigar os fatos, mas os sentimentos. E é assim que traga o espectador, o coloca do lado de dentro da dor e faz intuir as dimensões imensuráveis da morte.
Difícil até saber o que poderá ser criado artisticamente por Petra após uma experiência tão visceral. Mas sem dúvida há tantas qualidades, que talvez o filme seja o processo do luto em uma libertação para a vida e outras obras com novos temas e mesma sensibilidade.
Filme imperdível. Experiência verdadeiramente ímpar, não percam.
"Minha solidão é a mais exata possível. Deusas estéreis regram minhas vigílias. Estou fora da trama do tempo e qualquer readmissão ficou interditada: minha eternidade é terrível e caíram as palavras. Esqueci meu nome e já não tenho mais hábitos. Detonado pra fora, ao meu redor toda luz se degrada e todo vigor se consome. Os dias incessantes arrastam apenas os outros, enquanto eu fico suspenso nesta eternidade maldita onde uma interminável morte acontece...Minha noite é sem fim. Por que não me salva a outra morte?". ** palavras de Juliano Garcia Peçanha para dialogar com a poesia do filme **
O diretor Andrew Jarecki teve a oportunidade de se deparar com um material incrível envolvendo um julgamento de uma família nos EUA resultando no excelente documentário Na Captura dos Friedmans.
Uma aparentemente típica família suburbana americana: pai professor, mãe dona de casa, três filhos, estabilidade, casa com jardim, férias em casa de veraneio, uma VHS para registrar os "momentos felizes".
(e bem típica se pensarmos em filmes de Larry Clark, Gus Van Saint, Todd Solondz etc).
E de repente tudo começa a mudar... O pai é acusado de pedofilia e começa um longo processo de investigação.
E nos EUA mais do que em qualquer outro lugar, essas investigações propiciam comoções desproporcionais. Uma verdadeira histeria se instala na região e o caso foge ao controle.
O pai termina sendo acusado de mais de 200 abusos e seu filho também.
Mas quais são os fatos verdadeiros dessa história? Existe uma única verdade? Quem são os culpados? Culpados de que?
(numa temática similar ao ótimo A Caça de Thomas Vinterberg - já comentado aqui)
O filme vai pouco a pouco apresentando as personagens dessa família e mostrando diferentes facetas e nuances. Aquele que é o "bandido" também já foi a "vítima".
Aquela que é a "mãe má, injusta e egoísta", também é a "esposa traída, acuada e solitária".
Aqueles que são os "palhaços" também são os "depressivos".
Muito mais do que um filme sobre o julgamento, é um filme sobre a relação dos envolvidos com o caso, suas reações, seus sentimentos, seus pontos de vista...
Infinidade de reflexões possíveis, sentimentos complexos e ambíguos e diversas interpretações possíveis.
Filme riquíssimo e em formato ímpar, mas cada vez mais possível, já que as pessoas cada vez mais terão registros audiovisuais de suas vidas e possibilitarão filmes densos como este.
Outro exemplo em tom completamente diferente (poesia levada ao extremo): Elena, da jovem brasileira Petra Costa, também comentado aqui.
E que venham novas experiências similares para nos colocar em cheque e fazer valer o conceito de cinema documental!
A atriz francesa Agnès Jaoui há alguns anos se arrisca também em roteiros e direções. Estreou com o bom O Gosto dos Outros e agora apresenta Além do Arco-íris.
Uma fabulosa comédia romântica, estilo conto de fadas modernizado e relativizado.
Com personagens peculiares e interessantes, fazendo paralelos com vilões e mocinhas em situações prosaicas, Jaoui nos mostra conflitos cotidianos, ao mesmo tempo simplórios e profundos.
O medo do não encontro com o amor, o medo da morte, o medo do envelhecimento, o medo do medo...
Desde momentos mais fortes de enterro, paixão, separação, até outros mais prosaicos como se aprender a dirigir, se recusar um contrato artístico ou ensaios de uma peça infantil.
Faz lembrar filmes do ótimo Jean-Pierre Jeunet (já elogiado aqui), de grandes filmes como Ladrão de Sonhos, ou seu mais popular O Fabuloso Destino de Amélie Poulain.
Bruno Dumont, que estreou com A Vida de Jesus, fez o comentado A Humanidade e o instigante Fora de Satã- comentado aqui - agora apresenta Camille Claudel 1915.
O filme retrata uma passagem da vida da importante escultora francesa, que tem uma vida tão intensa, produtiva e comovente que já havia sido retratada em outro filme.
O fotógrafo e diretor francês Bruno Nuytten dirigiu um filme focando no início da carreira de Camille, no seu amadurecimento ao lado de Rodin e em suas crises com ele, culminando em sua internação.
Com a ótima atuação de Isabelle Adjani, ao lado de Gérard Depardieu, no papel de Auguste Rodin.
Já Dumont faz quase que uma continuação dos dados biográficos, se atentando ao período de internação de Camille.
Quem vive a personagem aqui é outra diva francesa: Juliette Binoche, que se interessou imensamente pelo projeto e se tornou parceira dele.
Juliette vive bem a mulher forte, com seus rompantes intensos, raivosos, criativos e doídos e também a serenidade em que Camille foi entrando em seu período de vida reclusa.
Mas essas nuances se repetem e não tem tanto crescente. A narrativa não lhe permite isso.
Apresenta um ambiente estereotipado e monótono, coloca as questões de maneira um pouco fria e seca, como o diálogo com dela com o irmão, Paul Claudel.
Também não trabalha outros dados biográficos e nem mesmo a relação com a arte é muito aprofundada.
( ao contrário de outros filmes passados em manicômios como Bicho de Sete Cabeças, Um Estranho no Ninho ou a excelente peça paulistana do Grupo XIX de Teatro: Hysteria).
Assim, para quem não conhece bem a vida da escultora, a dimensão da reclusão, das perdas e privações fica comprometida. E mesmo para quem conhece não há um envolvimento tão intenso.
Um filme bom, mas que poderia ir muito mais a fundo. Muito mais. A obra de Camille fala por si...