quinta-feira, 28 de março de 2013

Super Nada - Rubens Rewald e Rossana Foglia


Segundo longa da parceria dos cineastas Rubens Rewald e Rossana Foglia, Super Nada tem uma proposta narrativa pouco convencional e alguns aspectos de linguagem bem interessantes.

O filme conta a trajetória de Guto, um ator de cerca de 40 anos que tenta vencer na vida, sem muito sucesso.


Guto atua (literalmente) em várias frentes: faz testes de publicidade, sketches de clown, ensaios de dança, intervenções na rua, testes de TV etc, sempre buscando seu lugar ao sol - ou ao holofote!

Mas ao contrário da maioria dos filmes que coloca seus protagonistas diante de desafios para construir um  crescimento pessoal, podendo muitas vezes culminar em uma última tentativa exitosa, já em Super Nada não há nenhuma redenção.

Semelhante aos clássicos personagens: Gregor Samsa de A MetamorfoseMersault de O Estrangeiro; o protagonista sem nome de Memórias do Subsolo;  ou ainda Brás Cubas em suas Memórias Póstumas; Guto não consegue reagir e buscar soluções diferentes. 

Segue prostrado em uma trajetória sem muito crescente e com os fracassos profissionais refletindo na vida pessoal.

Sem dinheiro, Guto não consegue morar com sua filha, pede dinheiro emprestado à sua mãe, não evolui na relação com a namorada...

Esse tipo de narrativa provoca uma dificuldade para que o interlocutor (leitor, espectador etc) crie empatia pelas personagens e se identifique. 

Principalmente no cinema, onde não há vínculo através da narração, a narração se dá pela câmera que é sempre mais impessoal do que os protagonistas literários citados, que  apesar da não-ação apresentam observações filosóficas, irônicas ou até poéticas.

A poesia de Super Nada é mais crua e está na descrição de seus tempos e espaços...

Uma São Paulo bem construída e seus personagens e universos específicos (de artistas paulistanos alternativos: Praça Roosevelt, festas liberais, stand up...).

Entre os personagens, o destaque não está só em Guto, muito bem personificado por Marat Descartes - o ator que vem representando o alterego de cineastas da classe média paulistana.

Marat mais uma vez nos convence e nos envolve em sua interpretação ao mesmo tempo prosaica e profunda, como em Trabalhar Cansa, já comentado aqui.

Também Lívia, vivida por Clarissa Kiste, que se integra muito bem ao universo inerte de Guto, dosando o tom de desilusão com cenas de frescor e energia, em gestos inusitados, mas fluídos e naturais (em algumas das melhores cenas do filme).

O filme conta ainda com a participação curiosa de Jair Rodrigues no papel de um comediante (decadente e declaradamente sem graça, o que talvez faça certa falta ao filme).

Fica o desejo de respiro a esse universo (do filme? ou da vida?) sem graça, sem farsa, sem tragédia, algo para compôr esse universo tão cotidiano e niilista de Super Nada.


quarta-feira, 27 de março de 2013

Francisco Brennand - Mariana Brennand Fortes


A sobrinha do artista, a cineasta Mariana Brennand Fortes adentra o santuário de Francisco Brennand e nos leva a um passeio por seu universo.

No trajeto parte de sua criação, percurso, escolhas e facetas da personalidade que nos aproximam um pouco de seu universo artístico e de sua vida solitária. 


Um pouco do porquê da reclusão e da definição de seu olhar... Primoroso olhar...

Francisco começou nas artes pela pintura, mas se aprofundou e ganhou destaque principalmente pelas esculturas, expostas em alguns museus, como o Inhotim.

Ou em seu próprio ateliê, a antiga fábrica de cerâmica de seu pai, onde ele mora hoje e que é a grande locação do filme.

Entretanto o documentário não adentra além dessa fortaleza misteriosa, ele não nos dá a dimensão transcendental que temos ao nos depararmos com a obra de Francisco.

Mesmo tendo tido um trabalho cuidadoso de imersão, Mariana não chega ao âmago.

O resultado é um documentário interessante, mas sem o toque intimista e poético que poderia fazer dele uma obra singular.

Fica o gostinho de quero mais e de visita às obras...

terça-feira, 26 de março de 2013

Jogo de Cena - Eduardo Coutinho


Falando nas experimentações dos irmãos Taviani em César deve morrer - recém comentado aqui,
impossível não pensar em Eduardo Coutinho, um dos principais nomes do documentário brasileiro, com uma diversa, volumosa e representativa produção.

Desde suas incursões na televisão dirigindo episódios de Globo Repórter, passando pelo clássico Cabra Marcado para Morrer até os filmes de sua última fase como Santo Forte e Edifício Master.

Nos seus últimos filmes, além de entrevistas feitas dentro da dinâmica bem particular e exemplar de Coutinho, na qual ele consegue estabelecer uma distância com seu entrevistado, mas com espaço para o calor e o sentimento, ele também vem apresentando instigantes experimentações em linguagem.


O maior exemplo até agora é Jogo de Cena, um dos melhores filmes brasileiros dos últimos tempos!

A premissa do filme é trazer histórias de mulheres (a maioria falando sobre família e amor - relações com a maternidade e com os pais) e reinterpretá-las nas vozes de atrizes.
Esse "jogo de cena" vai muito além do jogo, nos incita à reflexões profundas sobre a verdade - desde a veracidade de uma interpretação, em um questionamento metalinguístico, até a reflexão sobre a verdade dos sentimentos, sobre o que pode estar escondido por trás de relatos muitas vezes corriqueiros e aparentemente banais.

Nada em Jogo de Cena é banal ou aleatório. Cada fala e cada ordenação de depoimentos nos leva a um crescente dessa vertigem entre o real e o imaginário, o documental e o fictício.

A construção de personagens vistas de dentro e de fora, seja no processo de uma atriz ou de realização de um documentário. Aliás, Jogo de Cena explicita a razão de chamarmos de personagem as pessoas criadas em filmes de ficção ou nas pessoas reais apresentadas em documentários.

Ao contrapor os mesmos depoimentos (ditos pelas pessoas reais e por atrizes) podemos refletir sobre como se dá a edição de um documentário e como se constrói um personagem.

Vendo e revendo o filme podemos descobrir detalhes a partir da fala de Marília Pera sobre como se dá o choro na vida real e na ficção e o depoimento que vem a seguir.

Ou o constrangimento e dificuldade de Fernanda Torres ao recontar a história de uma das depoentes.

Ou ainda o depoimento final, no qual a depoente tem consciência de sua imagem criada e tenta reverter essa construção.

 (o que tenta fazer através de uma música, parecendo a semente de seu outro projeto - As Canções - já comentado aqui).

Tudo se torna parte dessa poderosa narrativa, construída de maneira bastante inovadora e por isso tão estimulante!
Vida longa ao mestre Coutinho!

sábado, 16 de março de 2013

César deve morrer (Cesare deve morire) - Paolo & VittorioTaviani


Raras são as iniciativas mais experimentais no cinema contemporâneo. E quando a experimentação vem com maturidade e densidade nos instiga, nos encanta, nos tira aplausos calorosos!


O novo filme dos irmãos Taviani é uma dessas experiências cinematográficas.

Com uma trajetória de cerca de 60 anos e diversos títulos como a obra-prima Pai Patrão, a parceria desses talentosos irmãos nos traz dessa vez uma verdadeira experiência.

Eles partem da ideia de remontarem a peça Júlio César de Shakespeare, porém com detentos em um presídio próximo à Roma. O registro desse processo se torna um misto de documentário e ficção - e muito mais!

Nos envolvemos com as personagens, ora como personagens históricos de Roma, ora como personagens shakespereanos, ora como suas reais personas e ora de um modo ainda mais profundo...

Vemos no decorrer da trama reflexões que vão sendo suscitadas pela vida que imita a arte e pela arte que imita a vida e uma mescla infinita de conflitos.

Muito mais do que um filme sobre o assassinato de Júlio César por Brutus, o filme traz questões políticas, éticas e profundamente humanas: o desejo de poder, a culpa, o perdão, a perda de rumo na vida, o vazio existencial...

Antológica a cena em que os detentos ensaiam no pátio do presídio durante seu banho de sol sob a presença, comentários e intervenções de diversos colegas que assistem das janelas de suas celas, resultando em um diálogo multitemporal e multifacetado.

Sem julgamentos ou pretensões paternalistas, tão típicas desse tipo de proposta.

E sublime a conclusão com a reação de um dos detentos após a apresentação final da peça, pensando o que vai ser da vida dele após essa experiência, após tudo que lhe foi suscitado...



Vazio. E que também nos ecoa após o final, com questões etéreas nos rondando e imagens e palavras na memória...

segunda-feira, 4 de março de 2013

O Exercício do Poder (L'exercice de l'État) - Pierre Schoeller


Com bastante experiência como roteirista para televisão, o francês Pierre Schoeller tem se exercitado em algumas direções para cinema também. Seu último filme a estrear no Brasil foi O Exercício do Poder.

Filme de temática e ritmo intenso, retratando embates humanos dentro do ambiente árido e obscuro dos bastidores da política.

Título excelente, já que há várias etapas e testes dentro desse exercício do poder: os princípios de cada um, os limites para não se corromper e lutar por ideais, a vaidade, a ambição, as disputas, os interesses...

Diálogo com outros filmes de temática semelhante, como o recente Cosmópolis de Cronenberg ou Tudo pelo Poder, de George Clooney (ambos comentados aqui).


O ponto de partida da trama é uma questão bastante atual - seja na Europa ou por aqui - das privatizações. 

Ali, o protagonista Bertrand, Ministro dos Transportes, vivido por Olivier Gourmet, se vê pressionado pelo Primeiro Ministro e demais ministros a privatizar as estações de trem. Mesmo com estudos profundos e convicções que o levam a rechaçar as privatizações em prol de um melhor futuro para a França, Bertrand vai sendo desafiado.

As personagens ao seu redor a cada cena contribuem para a construção da complexidade da situação:

Seja no confronto de suas realidades de classes sociais mais baixas,seja  no trabalho com pessoas de suas relações pessoais, seja na pressão dos superiores ou mesmo no confronto de ambições profissionais e pessoais...

A trama se emaranha e se aprofunda. Schoeller traz personagens interessantes em intrigante progresso. Ótimos atores e diálogos e uma narração que dosa bem a proximidade com as personagens e a distância crítica. 

Podemos ora nos ver como um dos participantes, e ora estranha-los e critica-los.


Até o final ligeiramente abrupto e aberto nos coloca mais ainda em situação e em reflexão.

Filme importante para os nossos tempos. Arte imitando a vida, vida imitando a arte...