segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Valsa com Bashir (Vals im Bashir) - Ari Folman


Filme de grande destaque em festivais pelo mundo (elogiado em Cannes e entre os críticos da Cahiers du Cinema, indicado ao Oscar e vencedor do Globo de Ouro de filme estrangeiro e de diversos festivais pelo mundo),

Valsa com Bashir acabou não tendo tanto lugar em sua trajetória nos cinemas brasileiros.

O diretor israelense Ari Folman parte dos fatos reais do massacre de Sabra e Chatila - guerra ocorrida no Líbano em 1982,

E faz um documento pessoal e intimista misturando suas memórias (de ter servido o Exército na época), suas relações pessoais com o fato, o relatos de amigos e "reconstituições".

O tom pessoal, muitas vezes na primeira pessoa do diretor e em suas conversas com amigos ganha um lirismo ainda maior pelas imagens transformadas em animação.


(Lirismo que nos remete a Waking Life de Richard Linklater seja pelo tom reflexivo ou pela técnica usada, na qual o traçado é feito sob os personagens e depoimentos reais).

Pelo conteúdo tão real e sincero, o desenho ao invés de atenuar a gravidade dos fatos e da dor do massacre, que resultou na morte de cerca de 1700 palestinos, apenas dá a ele uma outra dimensão.

Não apenas a dimensão da crueza e tristeza do ocorrido, mas do horror e da repercussão nas pessoas que viveram o episódio.

A animação contribui para levar a história não para o trauma social, mas para o trauma psicológico e particular dos envolvidos.


Abordagem profundamente humana.


Diferente do esboço disperso de O Mestre e do trabalho mais pesado de Apocalipse Now - já comentados aqui,

Folman faz um trabalho artístico-psicanalítico sobre aqueles que vivenciam uma tragédia e sem atos heroicos, sofrem pela omissão ou pela impotência diante da guerra.

O universo mais pessoal e tormentoso parece ser o lugar de Folman, que hoje também está em destaque pela co-roteirização da série Be Tipul, adaptada para diversos países.

(como a ótima versão americana In Treatment ou a versão brasileira, dirigida por Selton Mello, Sessão de Terapia).

E em seu novo trabalho, que deve estrear nas próximas temporadas o longa de ficção The Congress sobre uma atriz em crise.



Aguardemos no divã. Ou na sala de espera com a Valsa com Bashir ao fundo...

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Django Livre (Django Unchained) - Quentin Tarantino


Com uma carreira já consolidada e consagrada, Tarantino cada vez mais sedimenta sua linguagem e estilo.

Desde os primeiros filmes, como Cães de Aluguel e Pulp Fiction, Tarantino explora tramas policiais intrigantes, com cenas de ação e violência eficientes e diálogos extremamente criativos, combinando as pistas das tramas policialescas com comentários corriqueiros e divertidos.

(como na inesquecível cena de bandidos em fuga discutindo lanches do Mc Donald´s em Pulp Fiction).

De lá pra cá, Tarantino foi se aprimorando, ora mais na diversão e exagero como Um Drink no Inferno e o recente À Prova de Morte - já comentado aqui.

Ora rebuscando mais suas personagens e explorando mais suas referências trashes como em Kill Bill.

Um aprimoramento, a cada filme, no ritmo envolvente, dado não só pelos atores, mas também pela montagem e pela excelente seleção musical.

Recentemente Tarantino começou a se basear em situações reais para fazer críticas irônicas a momentos delicados e polêmicos.

Foi o caso de Bastardos Inglórios e sua história passada no período nazista.


E agora Django, sobre o período de abolição da escravatura norte-americana.

Em ambos há roteiros muito bem elaborados que combinam fatos reais com ironia fina e mordaz contra tipos verídicos e personagens ilustres da época - junto a personagens fictícias, carismáticas e sedutoras!

Um trabalho estético de época e construção de exageros ficcionais inspirados pelas referências trash do cineasta (como o característico sangue em jorro).

Assim, Django não demonstra preocupações com suas imperfeições históricas. Sem dúvida que partir de fatos verídicos dão a Tarantino a possibilidade de olhar e comentar momentos reais, mas sua atenção é menos com a fidelidade do que com a ironia e a brincadeira.

Django tem um olhar duro contra tiranos, mas satiriza também as vítimas envolvidas. Tem uma leveza bem humorada e um descompromisso que pode inclusive ser condenado.

Muitas vezes até equivocadamente, já que sua proposta não é de grande profundidade documental. Mas nem por isso isento de responsabilidade no que há dito. Seria ingenuidade ou hipocrisia se abster da ação de tocar em fatos delicados da História recente e banalizar a tal ponto a violência e os envolvidos.

(Lembrando Tropa de Elite, de Padilha, comentado aqui, que também explora fatos reais transpostos num filme de ação com personagens fictícios, carismáticos e por isso tão perigosos em sua influência).

Em nome de tramas sobre vinganças, Tarantino cria personagens rasos e irresponsáveis, que podem nos deleitar, mas também contribuir em incentivos maléficos.

No final, o saldo de um filme interessante, bem construído, que pode ser divertido, mas que pode despertar perigos e críticos mais revoltados (como Spike Lee que fez ácidas declarações sobre o filme).


De qualquer maneira Django merece ser visto, independente do partido que se tome...

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

O Mestre (The master) - Paul Thomas Anderson


Despontado em Hollywood com o sucesso de Boogie Nights e Magnólia, Paul Thomas Anderson se destacou mais recentemente com Sangue Negro e agora O Mestre.

Paul Thomas Anderson faz sucesso conseguindo agradar um público mais popular e também cinéfilos.

Ainda assim, está longe de ser unânime: com filmes longos e por isso muitas vezes cansativos; cheios de pretensões psicológicas que nem sempre se desenvolvem; com questões complexas mas que muitas vezes buscam dar respostas universais e edificantes; Anderson para muitos pode soar raso e arrogante.

Com O Mestre, por exemplo, Anderson traz diversos temas: crise daqueles que passaram por uma guerra e se vem em certo vazio (como trabalhou Coppola na obra-prima Apocalipse Now, já comentado aqui).

Tematiza também o confronto da busca pela verdade, pela profundidade, genuinidade e espontaneidade do ser contra as máscaras sociais (que Anderson já havia trabalhado no ótimo Embriagado de Amor).

(protagonista gauche que também nos remete a obras como O Apanhador do Campo de Centeio, de J.D. Salinger; autores como Bukowski ou Kerouac (recentemente adaptado para o cinema por Walter Salles como já comentado aqui);


Ou ainda a  filmes maravilhosos como Meu nome é Joe, de Ken Loach ou Os Idiotas de Lars Von trier).



O gauche e a relação com seu "mentor": diversas questões existenciais e os contrastes entre aquele tido como desajustado e outro como um mestre (inspirado em L. Ron Hubbard - fundador da Cientologia).

Em interpretações marcantes do excelente Philip Seymour Hoffman e de Joaquin Phoenix (em grande trabalho de gestos e expressões mas que beiram o estrionismo) - ambos elogiados e indicados ao Oscar 2013.


Aqui está a profundidade e o cerne do filme. A relação entre essas duas intrigantes personagens.

Bem dirigido, com cenas precisas, em que nos vemos tragados por esses personagens. Mas para aqueles que não se envolvem com a narrativa o filme acaba se perdendo e esses momentos se diluem. 

Anderson parece ter mais complexidade e se sair melhor quando se leva menos a sério, quando seus mentores tem o tom irônico da personagem de Tom Cruise em Magnólia;

Ou quando tem a singeleza da personagem de Adam Sandler em Embriagado de Amor.

Dessa maestria atual, lhe faltam apelos para mais seguidores...


segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Amour - Michael Haneke


O experiente, talentoso e consagrado diretor Michael Haneke, autor de obras como o maravilhoso Professora de Piano, Caché, e Fita Branca (comentado aqui), este que o fez ganhar a Palma de Ouro de Cannes.

E agora repetindo o feito com seu novo filme: Amor (também vencedor do Globo de Ouro e forte candidato ao Oscar de filme estrangeiro 2013).
Haneke sabe captar dores, angústias, traumas muito intimistas e ao mesmo tempo universais. Sabe reconhecer os conflitos de nosso tempo vividos cotidianamente no interior dos lares...

Em um tempo com cada vez mais expectativa de vida - o que já acontece há bastante tempo na Europa - os conflitos associados à longevidade se tornam cada vez mais presentes e cada vez mais retratados no cinema.
(como os recentes Os Intocáveis, E se vivêssemos todos juntos?O amor não tem fim, já comentado aqui).

Questão que parece também atormentar Haneke, mostrando o cotidiano do casal octagenário Anne e Georges: a vida pacata com passeios culturais, refeições, conversas, projetos, lembranças...


Até Anne começar a ter problemas de saúde, que vão lhe debilitando profundamente.

O cotidiano envolvido com o adoecer, pequenas ações, pequenas dificuldades, a perda de autonomia de um ser humano, sua dependência, sua vergonha, seu sofrimento...


(O filme dialoga bastante com o excelente Parada em Pleno Curso do também alemão Andreas Dresen).

Haneke é seco e pesado, não traz nenhum alento e mostra com um realismo bastante cru, talvez um pouco so(m)brio demais, mas nada inverossímil.

Talvez invernal demais: a fotografia e a arte são sempre cinzentas; talvez sisudo demais: as personagens são cerimoniosas e sérias;

Talvez com alívios de menos: o filme tem elipses e cortes que sempre privilegiam a dor da história, nunca risos e descontração, ao contrário, a montagem e a decupagem elegantemente nos levam à contração.


Amor nos faz pensar em nossos avós, pais e em nós mesmos, tão frágeis e perecíveis.


Aqui, como em seus outros filmes, Haneke não apela para a emoção, seu pesar pesa mesmo. O amor incondicional que apresenta é bonito e triste e excepcionalmente interpretado pelos consagrados Emmanuelle Riva, Jean-Louis Trintignant
e Isabelle Huppert.

Apesar de situações semelhantes, não tem a emoção do artigo de Eliane Brum, nem a poesia de Kiarostami em Like someone in love ou de Hanami - Cerejeiras em Flor de Doris Dörrie (já comentados aqui) mas tem muito amor!