Após ver sua obra mais recente (por sinal uma prima: obra-prima!), me dou conta de mais uma lacuna cinematográfica em minha vida... Béla Tarr!
Cineasta húngaro, que começou sua vida artística já na infância, como ator em Budapeste, se iniciando no cinema nos anos 70 e hoje já tendo mais de dez filmes feitos...
(Budapeste que, aliás, foi uma das cidades que mais me surpreendeu em minhas andanças pelo mundo... Não se fala tanto da cidade, ou ao menos não se fala fazendo jus ao que ela me pareceu:
duas - ou muito mais - cidades em uma - Buda e Peste: onde se vê a cultura ancestral em igrejas, construções, costumes de banhos, etc; que se sente a diversidade da história em distintos ambientes: de igrejas católicas, judaicas e muçulmanas a museus comunistas, de artes seculares até a eclética e rica arte contemporânea; que se vê sua população em parte provinciana, em parte cosmopolita... País já invadido e dominado por diversos povos, com diferentes referências culturais e uma língua que dizem ser bem mais complexa que a alemã, por exemplo... Me encantou!).
E falando em diversidade de referências, beleza, poesia, profundidade... Falemos de O Cavalo de Turim. Vencedor de Urso em Berlim esse ano.
(Também me faz lembrar, menos pela estética do que pela temática, Vidas Secas, adaptação de Nelson Pereira para a grande obra de Graciliano Ramos).
Tarr dialoga com aqueles de discursos silenciosos, densos, líricos...
A história de O Cavalo de Turim parece simples: pai e filha que tentam sobreviver a um inverno rigoroso em sua casa isolada .
Num primeiro momento só se vê a subsistência deles: acordar, se vestir, se limpar, beber (até onde chegue a água), comer (o único alimento possível: as batatas), alimentar o cavalo (até onde ele suporte a vida miserável e "animal")...
Acompanhamos esse cotidiano em longos planos sequências (a quantidade de cortes se conta nos dedos) de uma linda fotografia PB, que resultam em uma grande crueza, mas também em uma estética bastante lapidada, pontuada de maneira marcante pela trilha - instrumental, constante, repetitiva, pesada, dramática, bela...
A trama do filme (dividida em capítulos dia-a-dia) parece apenas um registro do que há de matéria presente ali, mas o filme tem uma estética e um tempo que vão além...
Ele não diz apenas sobre o que estamos vendo, ele não mostra apenas a pobreza e a miséria, mas seus significados metafísicos, quando se deixa de querer comer, quando se deixa de querer viver, quando se passa a falar do fim do mundo... Ao se mostrar a vida em sua essência, em suas necessidades primárias, acaba nos tocando muito mais longe em outras tantas demandas humanas...
Como da dor de onde parte a premissa do filme: a revolta de Nietzsche ao ver um cavalo sendo espancado, que dizem o ter perturbado de tal maneira que a partir daí seus últimos anos de vida (1889-1897) foram de loucuras e tormentas.
Como a dor sugerida em metáforas de classes, como coloca Clóvis Geraldo em sua crítica sobre o filme.
A dor aqui é muda e até por isso muito mais eloquente (do que filmes onde se grita o apocalipse como os recentes Melancholia e Árvore da Vida, por exemplo).
E essa eloquência muda transbordante é que torna o filme tão metafísico, impossível de ser traduzido em palavras, muito grande para minha interpretação e digno de muito tempo para digestão de tamanho carboidrato cinematográfico...
Como suas personagens ao comer: é preciso, descascar, soprar, esperar esfriar e mastigar, mastigar, mastigar...
Alimento pra alma, recomendo!
Alimento pra alma, recomendo!