domingo, 28 de março de 2010

Saraband do eterno saudoso Ingmar Bergman

Feito para uma série televisiva e adaptado ao cinema... Resultado: último filme de Bergman...
E ali suas origens e referências: o teatro, a literatura, a psicologia... Seu cinema de longos silêncios e diálogos, de gritos e sussurros, de closes e planos seqüências, de aposta em atores e em Liv Ullman...

Mais uma tragédia de Bergman composta aqui em dez movimentos muito bem orquestrados: os personagens são como instrumentos, têm seus timbres e melodias e em cada combinação têm uma reação...

Uma história de encontros e desencontros, amores e desamores... Um casal de senhores que se encontram e falam sobre o passado, sobre seu casamento e sua separação... Se atualizam em relação ao presente e acabam se confrontando com a situação de cada um em sua família, com seus filhos, netos e afins...

Agudamente profundo, graves atos e sentimentos: personagens que são apresentados de acordo com pontos de vista de outros, que assim mostram suas contradições e também em suas distintas atuações de acordo com o interlocutor... Em momentos demonstram amores infinitos, em outros ódios insuperáveis... egoísmos X altruísmos, fragilidade X manipulação, doçura X perversidade...

Vasto material psicológico em primorosos acordes...

Vale a pena!
E para ficar o gostinho de revisitar filmografia tão importante!

quarta-feira, 24 de março de 2010

La Ciénaga - Lucrecia Martel e seus frutos (dentre os quais: "Laurita")



Hj revi o longa de estréia de Lucrecia Martel...
Novamente impactante, com força e frescor...



Uma família em férias em uma casa de praia, a decadência de cada um, o caos do coletivo, a pequenez e perdição de cada um e tb a possibilidade das profundidades por trás...

Mais que a idéia e a trajetória da narrativa, o que fica é a qualidade da representação: os diálogos naturalistas, todos ao mesmo tempo, sem ordem e sentido organizados; o mesmo com a caracterização dos personagens, tantas vezes mesclados, tantas vezes sem se saber as relações exatas entre eles; a câmera na mão que busca; os ruídos e sons que "poluem"; a montagem que ora corta demais, ora de menos, em uma vertigem rítmica que acompanha o todo...
Um filme preciso em seu caos, enérgico em sua intenção, brilhante em sua realização!

Me deixou refletindo sobre minha carreira cinematográfica... o que quero expressar com meu cinema, o que devo dizer em um primeiro longa... mais que isso: como devo dizer... e como isso define um pouco o que virá depois...


Como Lucrecia que depois nos mostrou um ambiente mais intimista em La Niña Santa, ainda com muita profundidade e muita particularidade, mas sem o mesmo frescor...

E curiosa ainda pra ver o mais recente... La Mujer sin Cabeza...



Rever La Cienaga também me fez pensar em conversas com Roney Freitas, diretor do curta Laurita, cuja maior fonte de inspiração é esse filme de estréia de Lucrecia...

Roney também busca um caos de férias, essa comunidade que se estabelece em uma casa para desfrutar um verão e onde se unem parentes, amigos, agregados, desejos, temores, histórias, segredos...

Com a delicadeza e profundidade do ponto de vista juvenil, aqui, no caso, da recém iniciada puberdade de Laura, a protagonista, que nos leva à nossa infância, às nossas lembranças, e nos traz um pouquinho da dele, um pouco de todo esse imaginário e poesia...

terça-feira, 23 de março de 2010

O Enigma de Kaspar Hauser

Cineasta inquieto, aqui, Herzog aproveita uma história verídica de um homem que foi encontrado depois de anos de claustro, sem que nunca tenha tido contato com nenhuma sociedade nem nenhuma língua...

Vemos então um homem descobrir o mundo c/olhos bem particulares:
às vezes com a pureza de uma criança, às vezes com a dor de um exilado, às vezes com a angústia de um "gauche", às vezes com a ansiedade de recuperar o tempo perdido, às vezes com o desespero de fugir de tudo e de todos...


Alguns lhe acolhem, outros lhe estranham...
Alguns têm muita paciência, outros nenhuma...
Situações de tensão até chegar a um clímax...

E fica a reflexão: afinal, o que é normal, o que temos ou não temos que desenvolver... O cérebro desse homem era desequilibrado por não ter desenvolvido a fala ou o convívio em sociedade, mas aqueles que vivem em coletivos sabem agir como tal?

Ver o filme hoje não tem muito frescor pela imagem, mas talvez tenha mais profundidade pelos questionamentos que podemos fazer em um tempo de big brothers e Josefs Fritz...




Talvez por isso tenha vindo também o precioso Old Boy do coreano Chan-Wook Park. Esse tb vale a pena!!! E como!!!

Conhecer ao outro para conhecer a ti mesmo...

sexta-feira, 12 de março de 2010

Ver o El Secreto de Sus Ojos de Campanella, vencedor do oscar de melhor filme estrangeiro 2010, também me fez pensar no quanto La Teta Asustada é um filme especial (que merecia o prêmio, além do urso de ouro de Berlim).

Com um vigor de histórias singelas e profundas de povos marginais, numa narrativa cheia de força e um pouco desequilibrada, mas que parece dizer muito mais ao mundo do que uma novela não tão boa de Campanella...
Me pergunto se foi uma dedicação tardia pelo Filho da Noiva, esse sim merecedor!


La Teta Asustada é o primeiro longa da peruana Claudia Llosa e vem cheio de desejo de dialogar com suas origens (de povos indígenas outrora massacrados e oprimidos)


em uma narrativa super intimista de uma garota vivendo a descoberta de sua sexualidade e sua crise de identidade (a perda de sua avó, com quem mantinha um vínculo profundo e que era um ser que ainda se mantinha totalmente fiel às origens e a histórias sofridas de quando mulheres vítimas de agressões ao amamentar seus filhos transmitiam seu medo... tetas assustadas).


O filme acaba sendo um pouco longo, se desequilibra em tudo que quer contar, mas me interessa muito mais exatamente por esses excessos... Excesso do que me fazer ouvir...


Mas que agradeço profundamente...
Pela cultura, profundidade, delicadeza e poesia...

Campanella e El Secreto de Sus Ojos



Quando vi O Filho da Noiva me apaixonei pela narrativa ao mesmo tempo simples e profunda, divertida e dramática, com histórias românticas, familiares, profissionais, filosóficas... E ao mesmo tempo numa fluidez... Quase como uma telenovela, mas de qualidades preciosas!



Grande mérito! Um dos meus filmes do coração... (reforçando minha curiosidade e admiração pelo cinema argentino)

E isso me manteve curiosa pra acompanhar a trajetória do diretor: tanto ver seu filme anterior O Mesmo Amor, a Mesma Chuva - que trabalha dentro do mesmo universo e com o mesmo tom, porém demonstrando menos maturidade e mais moralismo. Ou no filme seguinte O Clube da Lua que trouxe algumas variações do mesmo tema (família, romance, crise econômica...), em alguns quesitos até com mais profundidade, mas de maneira geral com um pouquinho menos de sabor... De qualquer maneira, todos bons filmes: boas premissas, boas, tramas, bons atores...

Com seu filme mais recente de novo minhas expectativas, mas não sei porque algo me deixava com pé atrás... Mas veio uma estatueta de melhor filme estrangeiro, então novamente a curiosidade...

Que não fez jus...

O Segredo dos seus Olhos tem uma narrativa embolada demais, quer jogar com gêneros (romance X thriller), mas acaba não se atendo nem a um nem a outro, os personagens aqui são menos profundos, têm menos camadas e parecem mais artificiais (o que fica reforçado tb por uma má caracterização dos personagens rejuvenecidos ou envelhecidos... Atores de 40 e poucos anos interpretando personagens de 20 e tanto ou 50 e tanto...)

O mérito nos outros filmes de Campanella, de fazer uma crônica do cotidiano aqui se perde com a tentativa de uma narrativa mais elaborada e fantasiosa... O feitiço vira contra o feiticeiro e me deixa com gosto amargo de decepção na saída do cinema...

Que venha um próximo para se redimir e me arrebatar novamente!


sábado, 6 de março de 2010

Gaspar Noé: Irreversível e Sozinho Contra Todos




Gaspar Noé realmente me conquistou com Irreversível.
Polêmica, nem todos "compram" o exagero do filme: violência de todas as formas - física, moral, psicológica, etc.




O que mais me interessa é a estrutura, o jogo que faz com o espectador.
Não basta pensar em narrativas não-lineares, há que fazer com que isso traga mais às suas leituras. Por exemplo, o mais chocante de começar um filme pelo fim, é mostrar como esse fim representa o máximo de degradação na vida de um casal e como ao vermos a história voltar e ficar cada vez mais suave, sutil, até mesmo romântica e vermos nos confrontar como espectadores com um certo alívio pelo "final feliz" e a contradição que isso gera ao repensarmos na estrutura. E mais ainda: em como quanto mais o final, ou seja, o princípio, se torna feliz, mais aterrorizante e destrutivo se torna o começo, ou seja, o fim.

Gaspar quer mostrar um mundo corrompido e quer mostrar o quanto participamos disso, o quanto ao tentar fugir e não enfrentar, estaremos sendo mais hipócritas e talvez mais perversos ainda...

Vendo um professor falar em aula do quanto a cena do estupro o incomoda e acha insuportável, me faz questionar se não é por a cena ser extremamente erótica e despertar sentimentos inescrupolosos de desejo de violação de quem está vendo... Perverso da parte do diretor, mas muito interessante...

E Gaspar parece tentar jogos parecidos em Só Contra Todos, apresenta um cara sem nada, um pária, digno dos personagens mais deploráveis de Dostoievski (como de Memórias do Subsolo)... Ele apresenta ao personagem de maneira bem simples, sintética, quase sem recurso algum, apenas o acompanhando em closes, planos de conjunto em ações ora cotidianas, ora de reações violentas. Mas a força e impacto do filme vem na voz em off do personagem, um constante fluxo de pensamento narra todo o filme e nos faz ver tudo que o personagem pode ter de repulsivo: ele julga e despreza a todos, declarando seu desejo de matar, violar, agredir...
Um homem de meia idade que vive no subúrbio de Paris e que tem em si marcas de um passado de violência e de desencontros em relações, trabalhos e ideais.

De certa maneira Noé joga com um ponto de vista distanciado, onde podemos apenas odiar ao tipo e vê-lo com escárnio, mas fica um incômodo por detrás, que pra mim me parece que é porque todos temos pensamentos desprezíveis, mas nosso pudor e nossa moral nos impede de externá-los.
Essa intenção fica ainda mais forte quando Noé traz um único momento em todo filme em que não acompanhamos o ponto de vista do protagonista. Aqui, depois dele ameaçar um cara, há uma reação de um grupo, que mostra também toda sua agressividade e preconceito, ou seja, todos ali podem ser tão desprezíveis como ele, se tivermos a oportunidade adentrar suas consciências, talvez façamos descobertas bem desagradáveis...

E assim fica a sementinha pra olharmos pra nós mesmos... Nossos próprios fantasmas e urubus... Uma arte que pode não ser a mais agradável, mas que me parece muito interessante, nobre e instigante do cinema...Voilà!


quinta-feira, 4 de março de 2010

Shutter Island

Pelo trailler já via que não era meu tipo de filme... Suspense, fantasias, Leonardo di Caprio...
Mas impulsionada por uma aula, fui...
Tem certa construção de clima, certa qualidade estética, certo suspense, mas...
Falta tanto...
É daqueles filmes em que a história vai dando voltas e em vários momentos vc se vê pensando: mas quem perguntou isso? Pq tá me contando? Pq agora tá desfazendo tudo que tinha feito? Pq tantas pistas falsas? E pq essa fantasia melosa? Pq certa breguice? Pq esses clichês?

O fundo da história traz uma discussão interessante sobre tratamentos psiquiátricos, aborda pontos fortes e profundos, mas para aí...

O que me plantou foi a sementinha de ler o livro, afinal, o único livro do Dennis Lehanne que li - Mystic River - que eu conheci primeiro pelo filme (por sinal mto bom), e que o livro era ainda superior!... Então, imagino que aqui deva ter coisa muito boa tb...

E tb lembrei mto de um conto sensacional de Gabriel Garcia Marquez: "Só Vim Telefonar"...
Vale mto a pena!!

O que me leva a crer que embora seja um pequeno Scorsese, tb num é de tudo perdido...
Se remar bte, talvez...

quarta-feira, 3 de março de 2010

A Fita Branca

Sentimentos profundos. Personagens densos. Conflitos psicológicos. Filmes transtornados.
Mais uma vez Haneke explora esses elementos de seu repertório e imaginário com maestria.

Aqui um laconismo, uma elegância preto e branca, uma suavidade pesada.
O silêncio que antecede tragédias em filmes de suspense parecem perdurar por esse filme do início ao fim.

Acompanhamos a história de moradores em uma pequena vila alemã na primeira metade do século passado... O cotidiano, a moral, a religiosidade... Tudo ali em pequenos detalhes, de forma simples e ao mesmo tempo tão complexa pra tantas interpretações do sentido pré-guerra de tudo aquilo.

E sim.
Mas não como a tese que tantos querem pregar, mas como o mais puro cinema.
Vale a pena.
Mais uma vez Haneke.