segunda-feira, 19 de setembro de 2016

Francofonia - Aleksandr Sokurov


Além de belíssimas ficções como Pai e Filho e O Sol, o russo Alexsandr Sokurov é conhecido por seus documentários ensaísticos como Arca Russa.


Agora Sokurov traz à cena o tema das obras de arte, seu valor e durabilidade e como isso pode ser disputado e agregado em uma guerra em Francofonia.

Sokurov traz reflexões densas e poéticas a partir do acervo do Louvre e como ele atravessou a 2a Guerra Mundial.

Um belo texto que o próprio diretor lê e que enriquece com imagens de acervo. Tanto acervo histórico, quanto do próprio acervo do museu francês (e mundial).

Bonito. Mas deixa a desejar, já que a combinação entre pensamentos, sons e imagens é um pouco simples e não chegam à altura de um tema tão profundo.

A Salvação (the salvation) - Kristian Levring


Filmes de gênero trabalham em uma narrativa em que já conhecemos certos personagens, certas peças do jogo e o ritmo em que são conduzidas, mas nem por isso os filmes precisam ser previsíveis e desinteressantes.


O dinamarquês Kristian Levring soube construir uma boa narrativa e fazer um filme internacional com A Salvação.

Fez uma ótima seleção de atores, especialmente com o protagonista vivido por Mads Mikkelsen - o talentoso ator de filmes como A Caça e O Amante da Rainha - já comentados aqui.


Destacando também Eva Green de Os Sonhadores e Casino Royale.


Ou Jeffrey Dean Morgan de filmes como Heaven - Em um Mundo Melhor - comentado aqui.

E construiu personagens interessantes e uma história densa de crimes ocorridos num velho oeste do século XIX: assassinatos, estupros, roubos, coações, corrupções, vinganças...

Que além de apresentar lados obscuros da alma humana, também contam um pouco da História: 

Seja o povoamento dos Estados Unidos a partir da migração de pessoas de todas as partes (inclusive da Dinamarca) pra lá;

Seja da cultura de abusos de poder e mesmo da ganância gerada por certo óleo preto, na época ainda desconhecido, mas já causador de interesses e extermínios.

quinta-feira, 1 de setembro de 2016

Não seja mau (non essere cattivo) - Claudio Caligari


Bastante premiado na Itália, Não seja mau, último filme de Claudio Caligari, se apresentou numa mostra especial de cinema italiano no Brasil.
Em ambiente e estética underground (econômica, rude, irreverente, criativa), mas com uma narrativa que se perde em moralismo, Claudio Caligari traz um filme irregular mas bastante interessante.

A história de jovens de uma pequena cidade italiana que vivem dramas pessoais e não se responsabilizam por nada, vivendo uma juventude inconsequente de violência, crimes e drogas.

Entretanto suas vidas os levam a novas relações e nelas algum senso de responsabilidade ou desejo de construção os fazem sair (ou tentar) da vida de ilegalidades.

Assim a vivacidade e força com que a trama é construída na primeira parte se perde no moralismo das vidas sem futuro, na derrota ou na esperança de futuro e redenção pelas novas gerações.

quarta-feira, 17 de agosto de 2016

Crocodilo (Il caimano) - Nanni Moretti


Nanni Moretti é um dos cineastas mais atuantes na Itália atual. Faz desde filmes de inspiração biográfica como Caro Diário, passando por dramas sublimes como O Quarto do Filho até comédias inteligentes como Habemus Papam ou dramas mais irregulares como Minha Mãe - com comentários aqui.

Em Crocodilo Moretti mostra além de seu gosto em transitar entre o humor e a comédia, também o interesse por uma nova temática, a política.

Vemos a história de um cineasta falido e em crise: risco de perder sua produtora, seu casamento, seus sonhos.


E que faz uma parceria com um jovem idealista, inexperiente e ingênua que quer contar a história recente do país: o governo de Berlusconi e os escândalos de corrupção.

Lá, uma operação de investigação de corrupção (Mani Pulite) pregava o fim da corrupção, mas se revelou uma operação de bodes expiatórios. 
Berlusconi que ganhou eleições e se afastou do poder diversas vezes, acabou tendo várias acusações que o levaram a renunciar, mas não houve de fato mudanças estruturais e a maior parte de seus crimes não chegou a ser julgada (por prescreverem). - Semelhanças em tempos de Lavajatos, Cunhas, não aprovação de pacotes anticorrupção nem de indeferimento de candidaturas ficha suja?

No filme Crocodilo suas diversas camadas fazem com que ele consiga tocar em diversos assuntos, possa atrair públicos distintos e não ser pesado.

Mas também dispersa um pouco seus potenciais, não chega nem a ser cômico, engajado ou dramático e por vezes é um pouco chato e didático.

Parece um filme que faz um desabafo de desilusão: desilusão do amor, do mercado artístico, do sistema político, da maturidade, da juventude, da Itália...


E para isso Moretti buscou conforto falando de temas de semelhanças biográficas e elenco familiar (atores e atrizes que já tinham estado com ele em outros filmes como O Quarto do Filho).

Por sorte Nanni Moretti tem muito talento, muita paixão e muita diversidade, assim pode buscar novos temas e pode seguir nos surpreendendo e encantando!

quinta-feira, 11 de agosto de 2016

Truman - Cesc Gay


O diretor catalão Cesc Gay ativo em filmes com pitadas de drama e humor como em O que os homens falam - já comentado aqui, agora mergulha mais na dramaticidade do tema do câncer.

Aqui o protagonista Ricardo Darín está doente e tem que enfrentar decisões não apenas da perda da saúde, mas de suas capacidade de fazer coisas:

Contar ou não contar para as pessoas, como contar, como receber os comentários, como trabalhar e mesmo como de cuidar de seu cachorro - Truman.

Quem o ajuda é o amigo de velha guarda vivido por Javier Cámara (ator conhecido por suas parcerias com Almodóvar).

O filme tem tema tocante, ótimo elenco, passagens delicadas e sensíveis, mas sem muito calor.

Não há nada muito revelador em sua abordagem e nem tanta densidade em seus personagens, diferente de filmes como Parada em pleno curso ou Há tanto tempo que te amo - já comentados aqui

Por isso acaba sendo um bom filme, mas faltam surpresas ou maiores emoções.

quarta-feira, 3 de agosto de 2016

Mãe só há uma - Anna Muylaert


Pela trajetória de Anna Muylaert vemos seu talento em encontrar encontrar temas e desenvolver personagens para suas histórias, desde o fantasioso Durval Discos, passando por Proibido Fumar - já comentado aqui, ou no grande Que horas ela volta?

Ou mesmo em sua participação em roteiros desde infantis como Castelo Rá-Tim-Bum, líricos e históricos como Desmundo, cômicos como Chamada a Cobrar, até dramáticos como Irmã Dulce.

Diálogos com observações prosaicas e tiradas divertidas, dentro de contextos complexos e situações muito cotidianas, Anna varia bem o humor e o drama de seus filmes.

Que horas ela volta? é um dos exemplos mais bem sucedidos de sua trajetória: conflito de classes, conflito de afetos, personagens interessantes, curvas dramáticas, revelações, surpresas...
Tanto que conquistou público e a crítica pelo mundo afora.


Agora Anna traz outra questão instigante em Mãe só há uma: roubo de bebê na maternidade e o questionamento de quem é de fato a mãe de uma criança? A mãe que pari ou a mãe que cria? 

Mas e se a mãe que cria é uma criminosa? Como fica o futuro desses filhos?
Além desse contexto já bastante intrincado, Anna soma questões da juventude: amores, independência, sexualidade. E de maneira bastante descontraída e libertária.

A linguagem também é bastante solta e não há um encadeamento clássico de acontecimentos ou uma progressão linear.

Uma estratégia ousada mas nem sempre simples. 

Não é uma questão de seguir padrões e se prender a eles, mas a maneira como muda o tom de uma narrativa e a linha de interpretação acaba dificultando a aproximação do espectador com suas personagens.

E é uma pena, pois elas são realmente interessantes.

Por exemplo quando ela apresenta uma cena crucial com o pai em uma interpretação toda marcada  e o filho totalmente espontâneo, em que as cenas sem diálogo são extremamente naturalistas e os diálogos tem tiradas e jogos de palavras, em que em diversas sequências se busca um encadeamento e em outras há uma superposição de cenas sem fechamentos e conclusões... Tudo isso nos deixa um pouco desnorteados com o filme.

Vemos seu potencial e encanto, somos instigados a nos aproximar, mas não sabemos ao certo como, por que canal e em que tom.

Correndo o risco de não conseguir e terminarmos o filme distantes.

terça-feira, 2 de agosto de 2016

Eu não tenho a menor ideia do que eu tô fazendo da minha vida - Matheus Souza


Segundo filme do jovem cineasta Matheus Souza, que havia estreado com Apenas o fim - já comentado aqui, Eu não tenho a menor ideia do que estou fazendo segue a linha leve de se falar de questões existenciais da juventude.

Aqui a protagonista está insatisfeita com a faculdade e começa buscar o que fazer da vida. Pensa outras profissões e faz pequenos testes, aproveitando a relação com pessoas próximas.


Assim, além de seus interesses, testa também suas relações familiares.


Cenas agradáveis, divertidas, mas um pouco mornas. Falta densidade e/ou ritmo à história.

A fórmula de diálogos e cenas cotidianas precisa de mais estofo e graciosidade.

E também mais definição na linguagem que ora é cômica e caricata, ora mais realista e prosaica, ora com pretensões mais dramáticas, ora com linguagem mais juvenil e publicitária...



Assim o potencial da temática, do roteiro e de diversas cenas se perdem um tanto.

quinta-feira, 30 de junho de 2016

Paulina (La Patota) - Santiago Mitre


O argentino Santiago Mitre ficou conhecido por aqui com os filmes de Pablo Trapero que roteirizou, como Leonera, Abutres ou Elefante Branco, já comentados aqui.

Como diretor Mitre assinou algumas vezes como no potente Paulina.

Paulina é um remake de um filme dos anos 60, mas traz ainda questões muito atuais: diferenças de classes sociais levando a embates familiares, culpas burguesas, mudanças de carreira, enfrentamentos, abusos de poder, abusos sexuais...

Paulina é a jovem advogada filha de um juiz com carreira promissora, mas que resolve abrir mão desse futuro em que não acredita e do qual sente culpa por um trabalho social de professora em um vilarejo precário e afastado.

Mas o idealismo romântico de Paulina sofre com o preconceito daqueles que não a aceitam, que sabem de suas origens e suas referências e que não acham que ela possa entender e conviver bem com eles.

Quando faz uma amizade é vista como má influenciadora da amiga e paga por isso: é violentada.

O filme trata o estupro de maneira bastante singular, pois sua protagonista não se sente vítima dele. Segue se sentindo algoz e vendo seus violadores, eles sim, como vítimas da sociedade.

Tema e abordagem bastante instigantes, mas para o qual faltam mais nuances. Talvez uma participação mais feminina (e feminista) na construção da abordagem do filme?

Há várias opiniões expostas e se confrontando, mas cada personagem é muito fechado em um opinião. Falta mais crises, oscilações, mudanças de opinião neles.

Tudo que acontece apenas reforça as personalidades e a falta de crescente nos desmotiva um pouco. Principalmente em tema tão delicado e polêmico.

Fica possível a empatia, mas também a total repulsa. Difícil apenas ficar indiferente, já que o filme é bem filmado, traz momentos fortes de interpretação, tem fotografia, som, arte e montagem contidas, precisas e competentes e apesar de não nos fazer mergulhar nos personagens, nos leva pra dentro da trama.

Vale conferir.