quinta-feira, 4 de julho de 2013

Augustine - Alice Winocour


Primeiro longa da diretora francesa Alice Winocour, Augustine, se inspira em fatos e personagens reais e mergulha no universo pré-psicanalítico do final do século XIX.

Augustine é uma jovem que começa a ter ataques nervosos e é internada sob tutela de um médico, Dr Charcot (contemporâneo de Freud), pesquisador da histeria.

No hospital, diversas mulheres com problemas psicológicos e sequelas motoras. Alguns depoimentos descolados da narrativa, fazendo lembrar projetos híbridos entre a realidade e a ficção, como a ótima peça teatral Hysteria ou os filmes baseados na vida de Camille Claudel, por exemplo - já comentados aqui.

E o foco na relação entre o médico e a paciente que se torna uma de suas "protegidas" - como comenta a própria esposa do médico em certo tom de ciúmes.

A relação entre os dois torna-se especial e logo começamos a ver os fundos de tensão sexual na crises nervosas de Augustine, sua histeria parece ter explicações bem simples, principalmente para nós que já temos alguns conceitos psicanalíticos freudianos assimilados.

(E que já vimos tantos filmes falar a respeito, como o recente Um Método Perigoso, também comentado aqui).

A jovem Augustine é apreensiva com os procedimentos ao seu redor, mas se entrega ao tratamento com inocência e esperança, torcendo para ficar boa e voltar à sua vida normal. 

E o Dr. Charcol estabelece um cotidiano com Augustine, fazendo diversos experimentos (de procedimentos banais e duvidáveis até alguns interessantes ou extremamente sádicos).

A relação vai avançando e se aprofundando: paixões reprimidas, transferência psicanalítica, desejo, tormentos, crises, cura...

O que falta nesse desenvolvimento é termos as intenções das personagens melhor delineadas. Qual a busca de Augustine? O que ela espera da vida além de ser curada? O que a incomoda(va) em sua vida e que propiciou seu estado?

Dr. Charcol busca a cura para essa doença, mas o que exatamente pesquisa? Quais suas intenções com cada procedimento? Como vê sua relação com as pacientes? O que espera de verdade com essas curas? Quais são seus tormentos (e histerias) particulares?

Isso tudo é tratado de maneira rasa no filme e o deixa morno.

A presença interessante de Augustine - muito bem interpretada por Soko - a austeridade, força e pureza de seus gestos e expressões; a mise-en-scène das cenas entre ela e Dr. Charcol; os diálogos econômicos... Tudo contribui para adensar essa narrativa. 

Mas as falhas de roteiro, a fotografia um pouco monótona, os clichês sonoros e o conhecimento de sexualidade que o público contemporâneo tem acabam por enfraquecer o filme.

Fica a sensação de uma semente instigante, mas que não chega a florescer.

segunda-feira, 1 de julho de 2013

Antes da meia-noite (Before Midnight) - Richard Linklater


Terceiro filme da série de Richard Linklater em parceria com os atores Ethan Hawke e Julie Delpy.

No primeiro, Antes do Amanhecer, dois jovens de 20 e poucos anos se conheciam num trem e passavam uma noite juntos em Viena. O diferencial do filme: o foco no diálogo e na interação das personagens.

Sem grandes ações que não aquelas para dar um pouco de corpo ao texto e o destaque para o embate de ideias e compartilhamento de visões de mundo, sonhos, confissões...

Todas as palavras que poderiam caber em um intervalo de poucas horas entre um casal.

Muito falado, um pouco monótono. Quase uma DR cinematográfica de duas horas. Um formato não para todos, mas que realmente conquista alguns, talvez exatamente por seu diferencial.

E o final em aberto do primeiro filme instigou a curiosidade dos fãs do filme e incentivaram a realização do segundo: Antes do Por do Sol. O reencontro do mesmo casal cerca de dez anos depois em Paris


Uma janela para mostrar por onde andavam os sonhos e expectativas daqueles jovens... O idealismo modificado na idade madura, o romantismo mais envelhecido, as novas opiniões e vivências, os novos sonhos...

E as mudanças da expectativa que eles teriam um diante do outro, após quase dez anos de outras vivências amorosas.

Novamente a dinâmica de conversa entre eles foi apaixonante: conhecê-los mais, seus defeitos, qualidades e desejos. Compartilhar o enlevo de um com o outro e poder viver a DR e o idílio por mais duas horas.

E agora o terceiro: Antes da Meia-Noite. Dessa vez a dinâmica bem diferente: não algumas horas de hiato na vida desse homem e dessa mulher, mas algumas horas na vida de um casal.

Aqui, Celine (Delpy) e Jesse (Hawke) estão casados e passando férias na Grécia - a dinâmica dos encontros pela Europa se mantem.

A ideia de férias também trazem um diferencial que não o do cotidiano do casal, mas nas conversas não mais apenas sonhos etéreos e especulações.

Interessante acompanhar o "filosofar" de um casal, suas opiniões a respeito do mundo e isso refletido nas posturas diante da relação.

Mas no filme fica fraca a insinuação da vida cotidiana deles. Eles parecem manter a relação etérea e e sonhadora diante da vida (que agora tem a presença de filhos, contas, horários, trabalhos, planejamentos, louças etc), só que com o dia-a-dia delineado de forma vaga.

Mais interessantes quando eles se apresentam diante de outras personagens, sejam os filhos ou amigos, pois vem de maneira mais orgânica com a dinâmica da estrutura do filme: do apresentar ideias. Não há como ter frescor e surpresa neles apresentando visões de mundo um ao outro o tempo todo.

Quando eles se apresentam a outras personagens voltamos a conhecê-los em pitadas instigantes, mas quando eles se apresentam um ao outro fica um pouco desgastante. Inverossímil eles receberem as palavras um do outro como se fosse novidade.

A crise que surge pela geografia mais uma vez (onde morar) faz parte de todos os filmes, ou seja, convive com eles há 18 anos deveria vir com mais gastura dos argumentos, de pessoas que já passaram por essa crise e essa discussão infinitas vezes. 

O modo como essa crise chega no momento do filme sem dúvida que permite considerações inéditas (e de fato trazem), mas não poderia ser o tom geral.

Faz ficar menor a experiência de combinação do hiato com o "tudo" que deveria estar preenchido.

A experiência ainda continua criativa e diferente (poucos filmes se arriscam nessa linha - o brasileiro Apenas o Fim, comentado aqui, é um raro exemplo), as personagens continuam encantadoras (ainda que se tenha ressalvas (como poder achar Celine histérica, por exemplo), mas a proposta de avanço na relação do casal deveria ser seguida de um avanço na proposta narrativa.

Por isso e pela história começada há quase duas décadas, segue a curiosidade de seu desenrolar e de novos possíveis filmes que venham a seguir... 

quinta-feira, 13 de junho de 2013

Camille outra vez (Camille redouble) - Noémie Lvovsky


A artista francesa Noémie Lvovsky já atuou em dezenas de filmes, como o ótimo L'Apollonide, já comentado aqui.


E se aventurou em alguns roteiros e direções, como seu trabalho mais recente que acaba de estrear por aqui: Camille outra vez.


Uma comédia romântica que vai em uma linha fabulesca semelhante ao Além do Arco-íris da também atriz e diretora Agnès Jaoui, também comentado aqui.

Embora Noémie brinque mais com elementos pop, até pensando na semelhança temática com De volta para o futuro de Robert Zemeckis e mesmo Brilho eterno de uma mente sem lembranças de Michel Gondry, outro já comentado aqui no blog.

A ideia de Camille viver sua juventude outra vez também é suscitada pelo fim de um relacionamento, seu casamento de mais de 20 anos, sem o qual ela se vê perdida e se vê no desafio de se reconstruir.

Na reconstrução o desejo de corrigir imperfeições do passado, seja evitar acidentes com familiares ou fugir da possibilidade de viver a relação que lhe causará sofrimento no futuro.

O curioso da construção do filme são os acordos de fidelidade extremamente farsescos, quase teatrais:

A atriz não passa por nenhuma maquiagem ou caracterização, apenas o figurino adolescente, ainda mais ridículo e antinatural em uma mulher de meia idade.

Seus gestos e atitudes também não acompanham os ambientes pelos quais ela frequenta e como as pessoas lhe tratam.

Além desses aspectos cômicos, o filme também brinca com a linguagem e abusa de vários clichês como câmeras lentas e comentários musicais.

É preciso "comprar" a brincadeira para embarcar e se divertir, para ver o que pode estar por trás de certas piadas.

(ver como os reencontros no passado e no futuro podem ter conotações psicológicas e filosóficas sobre o aceitar as próprias escolhas e ter que enfrentá-las).

E também para relevar as tantas imperfeições como pontos fracos de roteiro e de atuação, por exemplo.
Com essas abstrações, o filme é mais um agradável romance francês.

quarta-feira, 12 de junho de 2013

Faroeste Caboclo - René Sampaio



René Sampaio fez sua estréia em longa-metragem assumindo o desafio de adaptar uma das músicas mais conhecidas da Legião Urbana para o cinema: Faroeste Caboclo.

A música de fato traz diversos elementos para um roteiro: a saga de uma vida inteira do personagem João de Santo Cristo, vivido por Fabrício Boliveira.

Mas como tem também alguns pontos em aberto e diversas passagens confusas, pede algumas adaptações e preenchimentos.

René e seu time de roteiristas (Victor Atherino, Marcos Bernstein e José Carvalho) começaram adotando o plot principal como o romance da história - ótima escolha. Mas sem abrir mão de questões familiares, políticas e sociais.

Entretanto nesta soma de tantas questões algumas ficam um pouco perdidas e desconectadas. E o excesso tira a força das principais.

O menino que se revolta com as injustiças que vê em sua infância para de se indignar e buscar vingança e os próximos crimes que vem a cometer são por conta das companhias.

E pela tentativa de se aproximar e agradar seu amor, Maria Lúcia, vivida por Isis Valverde


Assim, aquilo que viveu na infância parece não refletir em seu presente e acaba um pouco gratuito.

E isso se dá também na construção de alguns detalhes, que dão um ar gracioso na canção e nem sempre funciona aqui.

De maneira geral o filme constrói uma boa narrativa, com pegada popular, personagens carismáticos, bom elenco, lindas locações (e bem representativas da região), boa fotografia e ritmo, mas que poderia ser mais contido no roteiro e fluir mais e de maneira mais envolvente ainda.

Mas iniciativas como essa são muito bem-vindas e deveriam ser mais constantes no cinema nacional: saber identificar ícones culturais nacionais e recriá-los é algo que o cinema americano, por exemplo, faz exemplarmente e é um dos segredos de seu sucesso (inclusive de exportação de culturas - como o baseball, entre tantas).

Retrabalhar nossa própria música, nossa juventude e nossas histórias é um grande mérito e René merece o crédito!





segunda-feira, 3 de junho de 2013

Meu nome não é Johnny - Mauro Lima



Mauro Lima tem experiência no diálogo da arte e da comunicação. Dividindo sua trajetória entre o cinema e a televisão, tem bastantes ferramentas para fazer filmes com potencial de entretenimento.

Em 2008 lançou Meu nome não é Johnny, inspirado em uma história verídica e narrada em livro de Guilherme Fiuza.

E vai além construindo personagens carismáticos, em diálogos bem humorados e numa trajetória dramática bem dirigida.

A grande estrela do filme é o ator Selton Mello, responsável pela fluidez do diálogo (e até por muitas das falas vindas de improvisos), que trafega muito bem entre o dramático e o cômico.


Faz lembrar Ricardo Darin em O Filho da Noiva, de Jose Campanella).
Ou o próprio Selton em outros filmes como em Árido Movie de Lírio Ferreira

Selton vive o garoto classe média que se deixa levar pela diversão, se comprometendo cada vez mais com o lema sexo, drogas e rock´n´roll, começando a traficar entre amigos e se perdendo nas proporções de seus atos.

Seu entorno é construído também com outros personagens carismáticos, em fotografia, arte, decupagem, montagem, som tudo em direção de uma fluidez e diversão.

Entramos em seu cotidiano de prazeres e malemolência, vendo graça nas situações (ainda que com apreensões) e compartilhamos seu susto e seu sofrimento quando suas inconsequências finalmente tem consequências.

Saber da realidade da história contada nos aproxima ainda mais e conhecer pessoas próximas com situações e posições semelhantes em suas vidas também.


Mérito não cair no moralismo e tampouco no vazio. Muito bom filme.