quarta-feira, 3 de abril de 2013

Dentro da Casa (Dans la maison) - François Ozon


Um dos diretores franceses mais ativos e criativos da atualidade, François Ozon, é autor de diversos curtas e longas. Um de seus primeiros destaques foi com o estranho e estimulante Gotas D´água sob Pedras Escaldantes, baseado em uma peça do alemão Rainer W. Fassbinder.

De lá pra cá Ozon tem variado sua produção entre filmes mais densos de tramas psicológicas, como Sob a Areia, Swimming Pool e O Tempo que Resta.

E filmes em que combina as questões psicológicas com experimentos de linguagens, seja trafegando por diversos gêneros, como o musical 8 Mulheres, ou também em narrativas não lineares, como em O Amor em 5 Tempos.

Em seu novo filme, Dentro da Casa, Ozon traz novas brincadeiras de linguagem, se inspirando no livro do escritor argentino Juan Mayorga e tematizando a metalinguagem da elaboração de uma história.

No filme, um professor de literatura começa a comentar textos de um aluno sabendo que esse aluno se inspira na realidade.

Portanto, comentários sobre construção de personagem se tornam, na verdade, comentários sobre as pessoas envolvidas, e sugestões da trama podem acabar tendo resultados mais graves do que a mera ficção.

Para deixar a narrativa mais instigante, Ozon constrói as cenas sem deixar claro se está tratando da realidade do filme ou a ficção do garoto, se é a narração do que o garoto vê ou versões que ele cria...

Ficamos inebriados em um labirinto de possibilidades bem interessantes.

O porém é a trama se alongar um pouco e o "jogo" perder um pouco sua força ao longo do enredo. Terminando de maneira um pouco abrupta e chegando a sugerir clichês (de índice de livro psicanalítico)

Mas com boa criação estética e um elenco tão bom, tendo à frente Fabrice Lucchini, também destaque de seu outro filme  Potiche - Esposa Troféu - já comentado aqui.


E a excelente Kristin Scott Thomas, de obras como A Chave de Sarah e o maravilhoso Há Tanto Tempo que te Amo, já comentados aqui.

Dentro da Casa planta possibilidades bem interessantes e mostra novamente o potencial de Ozon...
Esperemos o próximo!


terça-feira, 2 de abril de 2013

Depois de Lúcia (Después de Lucía) - Michel Franco


Segundo filme do diretor e roteirista mexicano Michel Franco, Depois de Lucia ganhou destaque após ser premiado em Cannes em 2012.

O filme aborda de maneira ao mesmo tempo intimista e com distanciamento a vida de uma adolescente que tenta seguir sua vida normalmente após a morte de sua mãe.

Ela e o pai mudam de cidade e tentam recomeçar. O pai escorrega diversas vezes em suas tentativas, mas a garota parece não fraquejar.

Se adapta bem ao novo ambiente escolar, se enturma rapidamente e ainda tem energia para cuidar do pai e cobrar reações dele.

Entretanto, ao ter que tomar atitudes para se colocar, para exigir que a respeitem e reagir contra as situações cruéis a que adolescentes podem se expor.

bulling aqui chega a agressões físicas e abusos sexuais e a menina não consegue reagir.

Um filme difícil de se assistir e de acompanhar. 

Extremamente duro seguir uma personagem que nos cativa de início não só por seu carisma, mas também por sua energia e que de repente estagna.

Incômodo semelhante ao comentado na crítica de Super Nada, post anterior do blog.

O estado de espírito prostrado da menina quase nos asfixia (em citação às cenas aquáticas do filme, que fazem lembrar outro maravilhoso filme sobre depressão:

O Estranho em Mim, já comentado aqui ou até mesmo a obra-prima A Liberdade é Azul, de Kieslowski).

Vamos nos aproximando da menina em silêncio, tentando interpretar seu silêncio, em como se dá sua dor, por onde transbordará em um cotidiano prosaico de escola e casa... 


Cotidiano bem construído: interpretação, construção de personagens, apresentação de cenários, construção sonora, montagem, fotografia, arte... 


Mas logo o cotidiano se mostra mais duro e passamos a olhar a menina mais de fora (relações com os  brasileiros As Melhores Coisas do Mundo de Laís Bodanski - comentado aqui - e o começo de Bruna Surfistinha de Marcus Baldini)

Outros elementos narrativos vão sendo dados (detalhes sobre a morte da mãe e de personagens ao redor), e as situações vão se tornando extremadas (ainda verossímeis, mas bem radicais: sexo, drogas e violências explícitas e implícitas do universo adolescente), chegando a um final irreversível e sem muita redenção.

Triste. E inquietante.

Muito bom filme, que poderia ter algumas lapidadas, mas mesmo assim emociona e faz pensar...

quinta-feira, 28 de março de 2013

Super Nada - Rubens Rewald e Rossana Foglia


Segundo longa da parceria dos cineastas Rubens Rewald e Rossana Foglia, Super Nada tem uma proposta narrativa pouco convencional e alguns aspectos de linguagem bem interessantes.

O filme conta a trajetória de Guto, um ator de cerca de 40 anos que tenta vencer na vida, sem muito sucesso.


Guto atua (literalmente) em várias frentes: faz testes de publicidade, sketches de clown, ensaios de dança, intervenções na rua, testes de TV etc, sempre buscando seu lugar ao sol - ou ao holofote!

Mas ao contrário da maioria dos filmes que coloca seus protagonistas diante de desafios para construir um  crescimento pessoal, podendo muitas vezes culminar em uma última tentativa exitosa, já em Super Nada não há nenhuma redenção.

Semelhante aos clássicos personagens: Gregor Samsa de A MetamorfoseMersault de O Estrangeiro; o protagonista sem nome de Memórias do Subsolo;  ou ainda Brás Cubas em suas Memórias Póstumas; Guto não consegue reagir e buscar soluções diferentes. 

Segue prostrado em uma trajetória sem muito crescente e com os fracassos profissionais refletindo na vida pessoal.

Sem dinheiro, Guto não consegue morar com sua filha, pede dinheiro emprestado à sua mãe, não evolui na relação com a namorada...

Esse tipo de narrativa provoca uma dificuldade para que o interlocutor (leitor, espectador etc) crie empatia pelas personagens e se identifique. 

Principalmente no cinema, onde não há vínculo através da narração, a narração se dá pela câmera que é sempre mais impessoal do que os protagonistas literários citados, que  apesar da não-ação apresentam observações filosóficas, irônicas ou até poéticas.

A poesia de Super Nada é mais crua e está na descrição de seus tempos e espaços...

Uma São Paulo bem construída e seus personagens e universos específicos (de artistas paulistanos alternativos: Praça Roosevelt, festas liberais, stand up...).

Entre os personagens, o destaque não está só em Guto, muito bem personificado por Marat Descartes - o ator que vem representando o alterego de cineastas da classe média paulistana.

Marat mais uma vez nos convence e nos envolve em sua interpretação ao mesmo tempo prosaica e profunda, como em Trabalhar Cansa, já comentado aqui.

Também Lívia, vivida por Clarissa Kiste, que se integra muito bem ao universo inerte de Guto, dosando o tom de desilusão com cenas de frescor e energia, em gestos inusitados, mas fluídos e naturais (em algumas das melhores cenas do filme).

O filme conta ainda com a participação curiosa de Jair Rodrigues no papel de um comediante (decadente e declaradamente sem graça, o que talvez faça certa falta ao filme).

Fica o desejo de respiro a esse universo (do filme? ou da vida?) sem graça, sem farsa, sem tragédia, algo para compôr esse universo tão cotidiano e niilista de Super Nada.


quarta-feira, 27 de março de 2013

Francisco Brennand - Mariana Brennand Fortes


A sobrinha do artista, a cineasta Mariana Brennand Fortes adentra o santuário de Francisco Brennand e nos leva a um passeio por seu universo.

No trajeto parte de sua criação, percurso, escolhas e facetas da personalidade que nos aproximam um pouco de seu universo artístico e de sua vida solitária. 


Um pouco do porquê da reclusão e da definição de seu olhar... Primoroso olhar...

Francisco começou nas artes pela pintura, mas se aprofundou e ganhou destaque principalmente pelas esculturas, expostas em alguns museus, como o Inhotim.

Ou em seu próprio ateliê, a antiga fábrica de cerâmica de seu pai, onde ele mora hoje e que é a grande locação do filme.

Entretanto o documentário não adentra além dessa fortaleza misteriosa, ele não nos dá a dimensão transcendental que temos ao nos depararmos com a obra de Francisco.

Mesmo tendo tido um trabalho cuidadoso de imersão, Mariana não chega ao âmago.

O resultado é um documentário interessante, mas sem o toque intimista e poético que poderia fazer dele uma obra singular.

Fica o gostinho de quero mais e de visita às obras...

terça-feira, 26 de março de 2013

Jogo de Cena - Eduardo Coutinho


Falando nas experimentações dos irmãos Taviani em César deve morrer - recém comentado aqui,
impossível não pensar em Eduardo Coutinho, um dos principais nomes do documentário brasileiro, com uma diversa, volumosa e representativa produção.

Desde suas incursões na televisão dirigindo episódios de Globo Repórter, passando pelo clássico Cabra Marcado para Morrer até os filmes de sua última fase como Santo Forte e Edifício Master.

Nos seus últimos filmes, além de entrevistas feitas dentro da dinâmica bem particular e exemplar de Coutinho, na qual ele consegue estabelecer uma distância com seu entrevistado, mas com espaço para o calor e o sentimento, ele também vem apresentando instigantes experimentações em linguagem.


O maior exemplo até agora é Jogo de Cena, um dos melhores filmes brasileiros dos últimos tempos!

A premissa do filme é trazer histórias de mulheres (a maioria falando sobre família e amor - relações com a maternidade e com os pais) e reinterpretá-las nas vozes de atrizes.
Esse "jogo de cena" vai muito além do jogo, nos incita à reflexões profundas sobre a verdade - desde a veracidade de uma interpretação, em um questionamento metalinguístico, até a reflexão sobre a verdade dos sentimentos, sobre o que pode estar escondido por trás de relatos muitas vezes corriqueiros e aparentemente banais.

Nada em Jogo de Cena é banal ou aleatório. Cada fala e cada ordenação de depoimentos nos leva a um crescente dessa vertigem entre o real e o imaginário, o documental e o fictício.

A construção de personagens vistas de dentro e de fora, seja no processo de uma atriz ou de realização de um documentário. Aliás, Jogo de Cena explicita a razão de chamarmos de personagem as pessoas criadas em filmes de ficção ou nas pessoas reais apresentadas em documentários.

Ao contrapor os mesmos depoimentos (ditos pelas pessoas reais e por atrizes) podemos refletir sobre como se dá a edição de um documentário e como se constrói um personagem.

Vendo e revendo o filme podemos descobrir detalhes a partir da fala de Marília Pera sobre como se dá o choro na vida real e na ficção e o depoimento que vem a seguir.

Ou o constrangimento e dificuldade de Fernanda Torres ao recontar a história de uma das depoentes.

Ou ainda o depoimento final, no qual a depoente tem consciência de sua imagem criada e tenta reverter essa construção.

 (o que tenta fazer através de uma música, parecendo a semente de seu outro projeto - As Canções - já comentado aqui).

Tudo se torna parte dessa poderosa narrativa, construída de maneira bastante inovadora e por isso tão estimulante!
Vida longa ao mestre Coutinho!