segunda-feira, 14 de novembro de 2016

Nossa irmã mais nova - Kore-eda



Cada vez mais voltado à família, Kore-eda fala aqui sobre as novas configurações familiares, com separações, novos casamentos, meios-irmãos e como se dão as novas relações.


A partir da morte de um pai que já não convivia com as filhas do primeiro casamento, a relação que essas vão descobrir com a meia-irmã mais nova quase desconhecida é o grande tema do filme.


Mais uma vez a singeleza é a tônica do diretor: os detalhes do cotidiano, elementos corriqueiros como vestimentas, comidas e olhares são os canais das revelações e trajetórias das personagens.


Nossa irmã mais nova é um filme bonito e poético, mas que se atém principalmente nas coisas boas, e assim perde um pouco de sua força.



A predominância poderia estar aí, como acontece na maioria de seus filmes.

Mas faltam mais conflitos, traumas, dores, que poderiam ser desatados e diminuídos com os encontros, os afetos e os carinhos, mas que não poderiam ser tão suprimidos.


Há muita poesia possível também nas dores, e esse é um dos principais méritos de alguns dos seus melhores filmes como Ninguém pode saber e Pais e Filhos - já comentado aqui.

terça-feira, 8 de novembro de 2016

Corações cicatrizados (Scarred Hearts) - Radu Jude


O diretor romeno Radu Jude se baseou no romance de Max Blecher para a adaptação de Corações Cicatrizados.

Um jovem com uma doença grave é internado em um hospital e passa a conviver com diversos outros jovens em condições semelhantes.

Ali eles vivem uma espécie de confraria de doentes, excluídos, sonhadores-desesperançosos, lutadores-inconsequentes, submetidos a tratamentos experimentais em longas e incertas esperas por diagnósticos.

Eles estão ali para se cuidar, mas ao mesmo tempo têm uma urgência por viver que os torna um pouco aproveitadores, egoístas, excêntricos.

Situação bastante peculiar, construída numa narrativa criativa e original, recriando o cotidiano claustrofóbico, doloroso, solitário e contundente.

Entremeado ao cotidiano, as inserções literárias dos pensamentos do protagonista trazem um ar filosófico e poético ao filme.

O resultado é um filme estranho, cansativo, mas criativo e autêntico. Vale a pena.

sábado, 5 de novembro de 2016

Ghashang va Farang - Vahid Mousaaian


Ver filmes de lugares distantes é uma maneira de conhecer outras culturas e viajar por elas.

Do Irã há alguns anos temos conhecido diferentes lugares, etnias, conflitos, pensamentos, poesias através do cinema de Abbas Kiarostami, Bahman Gobadi, Jafar Panahi, Mohsen e Samira Makhmalbaf entre outros - já comentados aqui.


De exemplos de simplicidade a profundidade, singelos ou filosóficos, sobre o universo das crianças ou da ditadura, sobre o machismo ou sobre a solidariedade, em geral são experiências muito ricas.

Talvez essa expectativa de ver um filme iraniano dentro da Mostra internacional de Cinema não tenha ajudado a experiência de ver Ghashang & Farang de Vadih Mousaaian.

Um filme sobre questões familiares (separações, adoecimentos, brigas, mortes, reconciliações). Mas feito em uma linguagem pobre, extremamente novelística, cheia de clichês (diálogos, trilhas sonoras, resoluções). Bem diferente do cinema de Bergman, homenageado em citações e trechos pelo protagonista do filme.

Um Irã diferente, de uma classe média sem problemas financeiros ou sociais, mas com questões humanas: afetivas, psicológicas...

Em cenários distintos do que costumamos ver: outros mobiliários, comidas, referências... Porém sem um tratamento com nenhum diferencial ou profundidade.

Talvez em outro contexto e janela o filme encaixasse melhor, neste caso só pode decepcionar.


sexta-feira, 4 de novembro de 2016

Tempestade de Areia - Elite Zexer


A jovem diretora israelense Elite Zexer estreia na direção de longas-metragens com Tempestade de Areia.
Numa narrativa delicada e profunda ela conta a história de uma família beduína em áridas paisagens israelenses.


Um pai de família está fazendo seu segundo casamento e vemos abalada a harmonia familiar.

De maneira contida e de certo modo velada, as regras são questionadas e esperamos a todo momento uma tempestade.

Nem sempre a tempestade parece possível, a tradição se apresenta mais sólida e afoga suas personagens, que se vêem em situações de ultimato.

Tudo é muito bem narrado, mas de maneira um pouco distante, falta mais proximidade com as personagens e cenas para nos colocarmos mais naquelas peles, sentirmos suas dores, vivermos suas vidas. 

Talvez o olhar mais distanciado venha da própria relação da de Elite com a história, ela que não faz parte daquela comunidade muçulmana, é sensível ao tema, compôs uma equipe de judeus e árabes e vê com complexidade aquela cultura, mas sem viver de dentro e sem fazer esse mergulho mais visceral.

quinta-feira, 3 de novembro de 2016

Vidas na fronteira (Life on the border) - diversos


O iraniano Ghobadi já havia mostrado a realidade de crianças curdas nas fronteiras de guerra e guerrilha do Iraque em Tempo de embebedar cavalos ou Tartarugas podem voar - já comentados aqui.

Neste último, uma narrativa crua, sensível, poética e profundamente triste, na qual ele mostrou a exposição à guerra, às bombas, às mutilações, aos estupros, aos sequestros, à orfandade, ao luto, à fome, às doenças, à morte e mais que tudo a exposição à vida, a esse arremedo de vida.

Difícil nos expormos a essa realidade sem desacreditar na humanidade. Onde fica nossa esperança em rostos tão jovens e sem mais nenhuma inocência ou alegria?


Esse sentimento é reiterado no novo projeto de Ghobadi Vidas na fronteira. Aqui Ghobadi deu voz (e câmera) para que as próprias crianças documentassem suas vidas.

São narrativas bem simples, em que as crianças relatam seu cotidiano, suas perdas, suas dores, suas revoltas. Ou simplesmente nos mostram.

Escassez de comida, de remédios, de acomodações, de lazer, de esperança. Essas crianças não têm sonhos, apenas pedem que a guerra pare de matá-los.

Os curtas são crus e sem muitos recursos de linguagem, alguns breves momentos nos dão respiros:

Seja nas cenas de making of ao final ou em trechos que nos mostram um céu de ponta cabeça, uma partida de futebol ou músicos ensaiando uma serenata. 

Este último caso é revelador sobre as relações apresentadas (tanto das personagens ali, quanto a nossa com o filme): o grupo de músicos que busca uma voz feminina para completá-los não tem sucesso. 

Eles encontram a garota de linda voz, mas essa está calada. O nó em sua garganta (causado pelas mortes, estupros, doenças e sequestros em sua família) não a deixam mais cantar.

Mais do que uma experiência cinematográfica, uma experiência de vida. Para pensarmos o que acontece em nossas vizinhanças, em fronteiras não tão distantes, e que não podemos ignorar, dada a gravidade.

Documento de emoção, revolta e denúncia. Difícil retomar narrativas de guerra tão frequentes nas telas de cinema e de TV com os mesmos olhos.


Pensamos em Sniper Americano (comentado aqui - que inclusive é assistido por algumas das crianças no filme, num espetáculo grotesco pelo paternalismo e vilanismo dos EUA que nos parecem amplificados por esse testemunho);

Ou na série Homeland ou em dezenas de outros casos, e concluímos que a maior parte da humanidade não pensa de fato nessas crianças, que o capital e o obscurantismo (a ganância por petróleo, o fundamentalismo e imposição de ideias e ideais) são verdadeiros assassinos.

Sniper Americano - Clint Eastwood


Clint Eastwood é um cineasta complexo.
Com pensamentos conservadores e reacionários, ele muitas vezes os questiona e tematiza.

Foi assim em Sobre meninos e lobos, Menina de Ouro ou Gran Torino - já comentados aqui - por exemplo, alguns de seus maiores filmes recentes.

Ele se coloca nos filmes como personagem de si mesmo (em Gran Torino e Menina de Ouro atua e em Sobre meninos e lobos seu alterego se dá na figura de Sean Penn) e tem suas razões questionadas por outros personagens - no primeiro uma descendente chinesa com referências e questionamentos muito diferentes dos seus;


No segundo por uma boxeadora que fica paralítica e passa a desejar a eutanasia;

E no terceiro por um homem valente que fazer justiça pelo assassinato de sua filha (e que por isso praticará uma grande injustiça).

Mas Clint nem sempre traz nuances em seus filmes, em A Troca ou Além da vida - também comentados aqui - apresenta o drama de forma exagerada e espetacular, sem tanto espaço para nuances.

Em Sniper Americano também. 
O retrato de um atirador de guerra poderia vir cheio de questionamentos complexos: por que matar, por que lutar, por que morrer?

Mas nenhuma dessas questões estão presentes no filme. Os tiros sempre são justificados pela questão patriótica, que se sobrepõe a questões humanas.

O valor da vida não é tematizado e o resultado é um filme competente e extremamente desumano.

Leia também os comentários contundentes do crítico Luiz Zanin aqui.

terça-feira, 1 de novembro de 2016

Um dia perfeito pra voar (Un dia perfecte per volar) - Marc Recha


O diretor catalão Marc Recha se encanta com temas da infância e apresenta isso em seu filme mais recente Um dia perfeito pra voar.

Marc constrói uma narrativa simples, pautada em inspirações biográficas (tanto que ele e seu filho atuam no filme, quase que numa homenagem de sua relação): um menino interagindo com um homem em uma montanha próxima a Barcelona.

Uma tarde se passa com o homem lhe ensinando a empinar uma pipa e lhe contando histórias e fábulas.


Durante essa interação o menino revela o universo lúdico, investigativo e imaginativo das crianças, um dos maiores méritos do filme.

Lembra bastante Ponette de Jacques Doillon - com comentários aqui, tanto pela abordagem com a criança quanto pela temática de imaginação e perda na infância, mas sem a força dramática espetacular que Doillon atinge. 

Recha faz uma construção mais prosaica, que no início encanta, mas se desgasta e acaba não decolando.