segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Quando eu era vivo - Marco Dutra


Quando eu era vivo é o segundo longa de Marco Dutra, após Trabalhar Cansa - já comentado no blog, dirigido com a parceira Juliana Rojas, que aqui assume a montagem.

Marco e seus parceiros dos Filmes do Caixote (nome do grupo com quem trabalha desde a faculdade e que os levou a diversos curtas muito premiados, como a jóia Um Ramo) vem solidificando a construção de um universo de suspense psicológico e o contraste entre situações cotidianas e situações insólitas / fantásticas.

Neste filme Marco trabalha bastante dentro do gênero de suspense e terror psicológico e nos remete aos filmes de seu ídolo Shyamalan ou da obra-prima O Iluminado.

Quando eu era vivo (excelente título, por sinal) conta a história de Júnior, um homem de cerca de 40 anos que se separa e retorna à casa do pai. Movimento de anti-vida, de fracasso, desenergia.

As situações cotidianas desse momento difícil são muito bem construídas e preparam muito bem a narrativa rumo às estranhezas.


Sem grandes perspectivas de futuro e com um presente vazio, Júnior se apega ao passado: busca em quartinhos e gavetas lembranças da mãe, morta há tempos.

O pai não compartilha da nostalgia, ao contrário, quer ignorar os acontecimentos do passado e tenta tocar sua vida com planos e energia (se dedica à corrida, musculação e é agilizado em buscar contatos, reuniões e entrevistas no lugar do filho).

No núcleo familiar também há a presença de um irmão, que se vê parceiro de Júnior em gravações em VHS antigas e de quem não se fala muito no presente.

O que vai sendo apresentado dessa trama familiar instiga bastante e todo o elenco está muito bem, do protagonista vivido por Marat Descartes, passando pelo personagem do pai, vivido por Antônio Fagundes

Até figurantes como Lourenço Mutarelli, autor do livro que inspirou o filme - A arte de produzir efeito sem causa.

Porém a trama tem ainda um elemento externo, a estudante de música que divide apartamento com o pai, vivida por Sandy.

Inicialmente a escolha parece interessante: o papel de garota doce funciona para ela. Entretanto o papel não é apenas de uma personagem-caricatura, algo que poderia funcionar perfeitamente num filme de gênero com femmes fatales e afins. Mas há uma transformação e um crescente nos atos da garota que Sandy não acompanha e deixa a desejar.

A trama vai se transformando quando se traz um pouco mais da história da mãe e do irmão, envolvidos em rituais macabros da mãe. E aqui o filme perde um pouco da densidade construída.

Talvez por expor em demasia a personagem de Sandy, talvez por frear um pouco o crescente da personagem de Marat ou por se alongar antes de chegar ao instigante desfecho.

Excelente iniciativa de trabalho de gênero no cinema nacional, que as histórias do Caixote sigam se multiplicando e se adensando!

terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Nymphomaniac (volume 1) - Lars Von Trier


Lars Von Trier é sem dúvida um dos cineastas mais criativos e instigantes da atualidade. Filmes com argumentos profundos, experimentações de linguagem, ousadia em diferentes gêneros, excelente medida de densidade e provocação.

A escolha do tema de seu novo filme já indicava esse caminho: Ninfomaníaca. Protagonizado por Charlotte Gainsburg, que fez outros dois de seus filmes fortes e polêmicos: Anti-Cristo e Melancolia


As fotos de divulgação também inebriavam pelo apuro estético.

Entretanto a primeira parte de seu filme (já que Ninfomaníaca está dividido em dois capítulos) é decepcionante.

Narrativa extremamente pobre, com a história se desenvolvendo a partir do relato de Joe, a ninfomaníaca vivida por Charlotte, a um desconhecido que a acolhe, Seligman, ouvinte vivido por Stellan Skargard.


Durante toda a narrativa interrupções e questionamentos que tentam dar ritmo, mas são fracas e não acrescentam praticamente nada ao filme.

Nesta parte do relato, também não chegamos a um conflito, não há carisma pelas personagens, fica um grande vazio.

O filme termina sem muito suspense e se apoia em "cenas do próximo capítulo" cheias de eventos mais "picantes" para talvez apresentar algum atrativo para a segunda parte. Mas sem mostrar mais potencial do que meramente o sexo...

(Diametralmente oposto de Azul é a cor mais quente - também comentado aqui - que de fato explora em demasia suas cenas de sexo, mas que as coloca em um contexto intenso, contundente, poético e dramático).

Neste volume o que é apresentado é a sexualidade de Joe contada desde a infância, passando pela adolescência e chegando à juventude. Período de descobertas e aventuras vistos por ela sempre com culpa e pesar e condescendência por Seligman.

Não há prazer para ela no sexo, não há curiosidade, não há nada. Pior, não é como a protagonista de Jovem e Bela de Ozon (recém comentado aqui) que transa e se prostitui descompromissadamente sem justificativas, Joe é ainda pior, pois carrega uma culpa.

Será essa a relação de Lars com o sexo?

Tamanha culpa exposta no filme faz com que ele tenda a um moralismo ou a um raso desejo de chocar.

As cenas de sexo se tornam gratuitas, o relato pobre, a narrativa primária.

Uma das melhores partes que redime um pouco o filme é a cena dramática de quando a esposa de um homem de quem Joe é amante aparece. Os conflitos da cena ali latentes e muito bem interpretados por Uma Thurman ganham vida e nos envolvem.

Um pouco também nas cenas de Joe com seu pai, cheias de material psicanalítico para algum aprofundamento.

Mas no geral o filme está muito aquém de todo o potencial desse grande mestre do cinema, principalmente por já ter mostrado questões muito mais interessantes neste campo cheio de tabus em nossa sociedade, Os Idiotas, Anti-Cristo ou mesmo em Melancolia (também comentados aqui) temos material absurdamente melhor.

sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Eu e você (io e te) - Bernardo Bertolucci



Bernardo Bertolucci, além de diretor de clássicos como Antes da Revolução e O Último Tango em Paris e O Céu que nos protege - já comentado aqui;


Também veio fazendo filmes maravilhosos nas últimas décadas como Beleza Roubada, Assédio e Os Sonhadores (que inclusive tem um dos cartazes mais interessantes que conheço: narrativo, instigante e bonito!)


Neles Bertolucci explorou um olhar sensível, feminino, sedutor, jovial e irreverente, mostrando uma sintonia e um deslumbramento com a juventude.


Agora parece que o deslumbramento esfriou um pouco, em tempos de crise, Bertolucci parece ter algo mais a mostrar dessa juventude além de seus romances e sonhos.



Em Eu e Você, o mestre italiano acompanha Lorenzo, um adolescente de classe média com problemas psicológicos (e ao mesmo tempo parecendo um adolescente bem típico):


uma grande paixão-atração-ciúmes pela mãe, a não socialização com os colegas e uma tendência ao TOC.

Lorenzo vai ter uma viagem com a escola, mas prefere se refugiar numa espécie de porão em seu apartamento.

Para isso prepara seus itens de sobrevivência de acampamento que vão desde enlatados, passando por revistas, setlist musical e um formigário.


Além de sua viagem introspectiva, Lorenzo também aproveita para vigiar sua mãe mais de perto.

Tudo parece estar em "paz" nos planos de Lorenzo, porém sua meia-irmã mais velha, Olivia, também aparece buscando refúgio no "porão".

Os dois se tratam com frieza e em atritos, já que Olivia também administra diversos problemas: é viciada, tem relações complicadas e seu futuro não parece ter perspectivas muito definidas.

A beleza da relação - e do filme - é a relação que se estabelece aos poucos entre eles: sem muita emotividade e grandes salvações para nenhum dos lados, os irmãos encontram certo diálogo e harmonia, revelando certas carências e acalentos.



Percurso bonito e profundo, mas que se perde um pouco em algumas cenas mais fracas, descoladas e também em alguns momentos de interpretações mais fracas.


Bertolucci aponta questões importantes sobre a atualidade da juventude européia, e também questões humanas e universais sobre eu e você ou qualquer um...

segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

Jovem e Bela (Jeune & Jolie) - Fraçois Ozon


François Ozon tem experiência com histórias enigmáticas e personagens femininas sedutoras. Obras como Sob a areia, Swimming PoolDentro de casa, já comentado aqui ou o mais recente: Jovem e Bela.


Aqui Ozon leva ao limite a admiração da beleza e o jogo de sedução.

Isabelle, uma linda jovem que acaba de completar 17 anos inicia sua vida sexual e se entrega a situações frias e sem prazer.

Nesse jogo passa a se prostituir, nem pelo dinheiro, nem pelo prazer, tampouco por traumas ou outras questões psicológicas que sejam justificadas.

Se há algum mérito no filme, é justamente da abordagem amoral.

Entretanto para quem busca um algo além tudo fica muito raso e gratuito. Apenas uma ostentação da beleza e impassividade da garota.


O clima blasè francês levado ao extremo e sem muita sedução. 

A personagem fica plana, não apresenta curvas, acaba cansando por não revelar nada e sendo monótona por não estabelecer muitas outras relações (nem com as questões da vida dela, nem com as outras personagens, nada a emociona e por tabela nada nos chega também).


Um filme que passa. Não incomoda, mas também não deixa marcas.


sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

Ela vai (Elle s'en va) - Emmanuelle Bercot


Emmanuelle Bercot tem vários filmes em sua carreira como atriz e vem ampliando sua carreira como diretora em curtas, programas de TV e alguns longas.
Sua experiência com TV é facilmente percebida em seus longas, como o mais recente Ela Vai.


Tom divertido, ações inconsequentes, itens de cultura pop e personagens mais rasos dão a tônica do filme.

Ela Vai conta a história de Bettie, vivida pela grande Catherine Deneuve: senhora um pouco perdida com sua vida, que se coloca à deriva em busca de um rumo.

Não está satisfeita em cuidar de sua mãe e tocar seu restaurante. 

Também não pode mais seguir sendo amante de um homem que só lhe dá esperanças frustradas e é ausente (no filme nem aparece). 

Bettie se volta ao passado mas sem buscas profundas, ela vai a um encontro de ex-misses francesas e reencontra sua filha e seu neto.

Nessa trajetória vive novas situações fazendo amizades em bar, tendo romances com desconhecidos...


Ou vivendo a possibilidade de um novo amor com o sogro de sua filha...

Tudo de forma ligeira e rasteira e que não gera identificação e consequentemente também não gera muita empatia.

Parece um filme da safra de filmes televisivos franceses. Sem graça e sem carisma.

quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

A grande beleza (La grande bellezza) - Paolo Sorrentino


No filme de Sorrentino podemos ver claramente climas, temáticas e personagens presentes em filmes clássicos italianos, por exemplo de Fellini (com diversos filmes já comentados aqui): 



A burguesia, a religião, a hipocrisia, a decadência, a futilidade, o culto à juventude e à beleza... A Grande Beleza!


Ao mesmo tempo Sorrentino repagina essa narrativa e dá frescor aos personagens e à trama.

(Nos fazendo imaginar, por exemplo, festas atuais na "alta sociedade" romana entre amigos de Berlusconi).

Apesar das diversas alegorias, o filme traz minúcias de um cotidiano que nos aproxima da trama e nos instiga, seja quando vemos com distância e desconfiança para o deslumbramento dos personagens, seja quando pressentimos sentimentos verdadeiros, imbuídos de questões filosóficas profundas.

E sempre através de seu protagonista, um escritor cínico, num misto de romantismo, amargura e extrema acidez.


Estranhamentos, curiosidades e muitas questões por trás. Filme que se pode ver e rever e seguir em descobertas.