terça-feira, 14 de maio de 2013

Elena - Petra Costa




Filme profundamente singular, difícil comentar.

Poesia pura, menos pelas texturas, cores, sons, gestos, movimentos, palavras, sentimentos, mas sim pelos olhares que constroem tudo isso.

O filme começa falando de Elena, irmã da diretora-narradora. Desde suas primeiras aspirações artísticas na infância e adolescência.

Até a busca das artes em sua vida de maneira mais profunda e planejada, e por isso mais desafiadora e ameaçadora.

Mas quem fala é principalmente a irmã, Petra, a nenê que nasceu e foi cuidada por uma menina Elena; que cresceu brincando (e fazendo de contas) com uma Elena adolescente.

E que depois se viu sozinha e perdida após a sua morte. E que hoje, se tornando mulher, buscando sua maturidade, busca um caminho próprio, em que as reflexões sobre a irmã são importantes.

Muito mais do que um filme sobre Elena e sua morte, é um filme sobre uma busca pessoal por um ente querido que partiu. A dissociação do que vai e do que fica, o processo do luto, a incompreensão, a dor eterna, a nostalgia.

Reflexões transcendentais...

Petra é extremamente corajosa na exposição que faz de si e de sua família, sentimentos profundamente íntimos se transformando em arte, pulsando dentro daqueles que assistem ao filme.

Essa exposição é propiciada por um arquivo audiovisual importante da família: vídeos caseiros, fotos, recortes de jornal, cartas, desenhos...

Tipo de filme com o qual teremos cada vez mais chance de nos deparar. 

Filmes não apenas experimentais como de videoartistas como Regina SilveiraCao Guimarães, Kiko Goifman e tantos outros. Mas filmes em estruturas de maior diálogo e construídos em estrutura de ficções. 

Como o exemplo maravilhoso Na Captura dos Friedmans, um documentário dramático que tenta investigar a acusação de um crime visto de dentro do caos familiar dos envolvidos, já comentado aqui.



Elena não se foca em ações, não quer investigar os fatos, mas os sentimentos. E é assim que traga o espectador, o coloca do lado de dentro da dor e faz intuir as dimensões imensuráveis da morte.


Difícil até saber o que poderá ser criado artisticamente por Petra após uma experiência tão visceral. Mas sem dúvida há tantas qualidades, que talvez o filme seja o processo do luto em uma libertação para a vida e outras obras com novos temas e mesma sensibilidade.

Filme imperdível. Experiência verdadeiramente ímpar, não percam.


"Minha solidão é a mais exata possível. Deusas estéreis regram minhas vigílias. Estou fora da trama do tempo e qualquer readmissão ficou interditada: minha eternidade é terrível e caíram as palavras. Esqueci meu nome e já não tenho mais hábitos. Detonado pra fora, ao meu redor toda luz se degrada e todo vigor se consome. Os dias incessantes arrastam apenas os outros, enquanto eu fico suspenso nesta eternidade maldita onde uma interminável morte acontece...Minha noite é sem fim. Por que não me salva a outra morte?".
** palavras de Juliano Garcia Peçanha para dialogar com a poesia do filme **

Na Captura dos Friedmans (Capturing the Friedmans) - Andrew Jarecki


O diretor Andrew Jarecki teve a oportunidade de se deparar com um material incrível envolvendo um julgamento de uma família nos EUA resultando no excelente documentário Na Captura dos Friedmans.

Uma aparentemente típica família suburbana americana: pai professor, mãe dona de casa, três filhos, estabilidade, casa com jardim, férias em casa de veraneio, uma VHS para registrar os "momentos felizes".

(e bem típica se pensarmos em filmes de Larry Clark, Gus Van Saint, Todd Solondz etc).

E de repente tudo começa a mudar... O pai é acusado de pedofilia e começa um longo processo de investigação. 

E nos EUA mais do que em qualquer outro lugar, essas investigações propiciam comoções desproporcionais. Uma verdadeira histeria se instala na região e o caso foge ao controle.

O pai termina sendo acusado de mais de 200 abusos e seu filho também.

Mas quais são os fatos verdadeiros dessa história? Existe uma única verdade? Quem são os culpados? Culpados de que?

(numa temática similar ao ótimo A Caça de Thomas Vinterberg - já comentado aqui)

O filme vai pouco a pouco apresentando as personagens dessa família e mostrando diferentes facetas e nuances. Aquele que é o "bandido" também já foi a "vítima".

Aquela que é a "mãe má, injusta e egoísta", também é a "esposa traída, acuada e solitária".


Aqueles que são os "palhaços" também são os "depressivos".

Muito mais do que um filme sobre o julgamento, é um filme sobre a relação dos envolvidos com o caso, suas reações, seus sentimentos, seus pontos de vista...

Infinidade de reflexões possíveis, sentimentos complexos e ambíguos e diversas interpretações possíveis.

Filme riquíssimo e em formato ímpar, mas cada vez mais possível, já que as pessoas cada vez mais terão registros audiovisuais de suas vidas e possibilitarão filmes densos como este.

Outro exemplo em tom completamente diferente (poesia levada ao extremo): Elena, da jovem brasileira Petra Costa, também comentado aqui.

E que venham novas experiências similares para nos colocar em cheque e fazer valer o conceito de cinema documental!

sexta-feira, 10 de maio de 2013

Além do Arco-íris (Au bout du conte) - Agnès Jaoui


A atriz francesa Agnès Jaoui há alguns anos se arrisca também em roteiros e direções. Estreou com o bom O Gosto dos Outros e agora apresenta Além do Arco-íris.


Uma fabulosa comédia romântica, estilo conto de fadas modernizado e relativizado.

Com personagens peculiares e interessantes, fazendo paralelos com vilões e mocinhas em situações prosaicas, Jaoui nos mostra conflitos cotidianos, ao mesmo tempo simplórios e profundos.

O medo do não encontro com o amor, o medo da morte, o medo do envelhecimento, o medo do medo...

Desde momentos mais fortes de enterro, paixão, separação, até outros mais prosaicos como se aprender a dirigir, se recusar um contrato artístico ou ensaios de uma peça infantil.

Faz lembrar filmes do ótimo Jean-Pierre Jeunet (já elogiado aqui), de grandes filmes como Ladrão de Sonhos, ou seu mais popular O Fabuloso Destino de Amélie Poulain.

Ou ainda Frango com Ameixas, da bastante promissora Marjane Satrapi, já comentado aqui.

Além do Arco-íris não traz coisas tão além, mas realmente colore em suas duas horas de duração.


quarta-feira, 8 de maio de 2013

Camille Claudel 1915 - Bruno Dumont


Bruno Dumont, que estreou com A Vida de Jesus, fez o  comentado A Humanidade e o instigante Fora de Satã - comentado aqui - agora apresenta Camille Claudel 1915.

O filme retrata uma passagem da vida da importante escultora francesa, que tem uma vida tão intensa, produtiva e comovente que já havia sido retratada em outro filme.

O fotógrafo e diretor francês Bruno Nuytten dirigiu um filme focando no início da carreira de Camille, no seu amadurecimento ao lado de Rodin e em suas crises com ele, culminando em sua internação. 

Com a ótima atuação de Isabelle Adjani, ao lado de Gérard Depardieu, no papel de Auguste Rodin.

Já Dumont faz quase que uma continuação dos dados biográficos, se atentando ao período de internação de Camille.

Quem vive a personagem aqui é outra diva francesa: Juliette Binoche, que se interessou imensamente pelo projeto e se tornou parceira dele.

Juliette vive bem a mulher forte, com seus rompantes intensos, raivosos, criativos e doídos e também a serenidade em que Camille foi entrando em seu período de vida reclusa.

Mas essas nuances se repetem e não tem tanto crescente. A narrativa não lhe permite isso.

Apresenta um ambiente estereotipado e monótono, coloca as questões de maneira um pouco fria e seca, como o diálogo com dela com o irmão, Paul Claudel.

 Também não trabalha outros dados biográficos e nem mesmo a relação com a arte é muito aprofundada.

( ao contrário de outros filmes passados em manicômios como Bicho de Sete Cabeças, Um Estranho no Ninho ou a excelente peça paulistana do Grupo XIX de Teatro: Hysteria).

Assim, para quem não conhece bem a vida da escultora, a dimensão da reclusão, das perdas e privações fica comprometida. E mesmo para quem conhece não há um envolvimento tão intenso.

Um filme bom, mas que poderia ir muito mais a fundo. Muito mais. A obra de Camille fala por si...

terça-feira, 7 de maio de 2013

Renoir - Gilles Bourdos



O diretor francês Gilles Bourdos se debruça sobre o final da trajetória do célebre pintor Auguste Renoir para fazer seu novo filme: Renoir.


A dedicação do pintor já bem idoso e debilitado, tentando driblar artroses e outros problemas de saúde;

Seu encanto com suas modelas e serviçais, em especial Andrèe, que também passa a encantar os filhos de Auguste, em especial Jean;


Suas opiniões sobre as artes, o ofício da pintura, a guerra, as relações pessoais...


Talvez nessas muitas frentes o filme se perca.

Pois além de tentar dar conta das fontes de inspiração desse grande artista e revelar seu lado duro, ressentido, machista, também quer dar conta das pessoas que estão ao seu redor.

O filme muitas vezes se concentra mais em Andrèe e depois no relacionamento dela com Jean e de ambos com as artes...

A semente do que viria a ser a carreira do cineasta Jean Renoir com Andrèe protagonizando os primeiros filmes.

Não sobra tempo para aprofundar.

As pinceladas do filme acabam opacas e a narrativa vai se assemelhando a uma novela de época, muito bem fotografada e com bela direção de arte por sinal.

quinta-feira, 2 de maio de 2013

Abismo Prateado - Karim Ainouz


Karim Ainouz teve sua estréia em longas-metragens com o vigoroso Madame Satã, seguido do poético O Céu de Suely

Teve também incursões pela TV e flertes com o documentário, como no híbrido Viajo porque preciso, volto porque te amo - já comentado aqui.

Agora estréia Abismo Prateado, baseado na canção Olhos nos Olhos de Chico Buarque.

Aqui a história de Violeta (vivida por Alessandra Negrini) que tenta assimilar um recado deixado por seu marido de ter a abandonado.

O filme começa apresentando as personagens de maneira misteriosa e intimista, em enquadramentos próximos e sem muitos diálogos e informações.

Começamos pelo conflito do marido, mas logo ele é totalmente abandonado e nos voltamos para a esposa.

Porém a narrativa contida nem sempre funciona, muitas vezes as ações parecem sem motivações, atropeladas ou superficiais.

As transformações pelas quais Violeta passa não se aprofundam como na música, mas temos belos momentos dessa construção. Em um frescor e originalidade raros. 

Principalmente pela decupagem, fotografia, montagem e algumas cenas de força e realismo - como o encontro de Violeta com uma menina.


Belas cenas mas num resultado irregular.