quarta-feira, 18 de abril de 2012

Pina - Wim Wenders


Cineasta de verdadeiras obras-primas como Paris Texas (já comentado aqui) e Asas do Desejo, Wim Wenders também é talentoso e sensível no olhar para outrens e em suas homenagens...


Fez um belo trabalho em Buena Vista Social Club e surpreende agora em seu filme-homenagem, filme-dança, tecnologia-arte, poesia: Pina.


Fiel ao dar "voz" aos gestos da conterrânea Pina Bausch, ao expressar seus sentimentos profundos, sua visão de mundo, seus conceitos abstratos traduzidos em movimentos...

O filme é simples, traz depoimentos em uma elegante voz over.

(Na imagem um retrato das pessoas em movimento, e no áudio as declarações como que vindas de pensamentos, sem sair dos lábios vistos na tela). 

E traz principalmente as coreografias. Sem muita decupagem ou movimentos de câmera, Wenders empresta um olhar contemplativo e sem muita intervenção.

E ainda explora o recurso novo do 3D para dar mais vida às danças. O balé de Pina em três dimensões (para não dizer em outras tantas mais).


Pina é pontual, sem outras pretensões que não mostrar o trabalho e expressão de Pina Bausch e seus parceiros de companhia, fundamental para quem gosta das artes do corpo.

Mas também extremamente rico para quem busca outras "formas" de entendimento, expressões mais etéreas e indiretas de pensamentos, sentimentos e poesia...


Há drama, humor, dor, perplexidade...


Riso, emoção, fraternidade, doçura, agressividade, questões político-sociais, metafísica...



sexta-feira, 13 de abril de 2012

Noites de Cabíria (Le notti di Cabiria) - Fellini


Filme das primeiras décadas de produção de Fellini, surgiu de uma personagem criada para o filme Abismo de um Sonho (1952), ali Giulietta Masina dá vida à Cabíria em uma passagem mais breve e ensaia o que viria a ser  As Noites de Cabíria (1957). 


Fellini trabalhou no roteiro ao lado de mais quatro parceiros, entre eles Paolo Pasolini, que iniciava sua carreira cinematográfica.

Outras parcerias importantes que se firmavam na época era com sua companheira (nas telas e fora) Giulietta.

E o parceiro a quem foi mais fiel em sua cinematografia, o músico Nino Rota.



Fellini ainda rascunhava aqui o que seriam suas marcas (de filmes mais alegóricos, lúdicos, experimentais). Cabíria tem uma narrativa um pouco mais "clássica" e convencional do que a média de Fellini, mas é uma verdadeira obra-prima!


Traz delicadeza, sensibilidade, humor e expressiva dramaticidade ao contar a trajetória da romântica e ingênua prostituta Cabíria.


Cabíria é uma mulher que tenta ser forte e independente, batalhadora, procura não se deixar abater por desrespeitos e trapaças que atravessam sua vida. 


Mas seu incansável e ingênuo coração está sempre aberto a novos sonhos e esperanças e possíveis traições.

Sua pureza é bela e triste e faz com que o filme seja extremamente comovente! 


E merecedor dos principais prêmios cinematográficos, desde três (salvas de) palmas em Cannes, incluindo atriz e filme, passando pelo BAFTA e  dezenas de prêmios nos principais festivais da Europa, até o tão cobiçado Oscar (de filme estrangeiro em 58).



Inspirador! Vale a pena ver e rever sempre!

quarta-feira, 11 de abril de 2012

Um Método Perigoso (A Dangerous Method) - D.Cronenberg


Ponto de partida ricamente interessante do novo filme de David Cronenberg: um recorte da relação entre Jung e Freud de certa maneira intermediado por Sabina Spielrein


Embates de uma nova ciência misteriosa que surgia, a psicanálise, através de um triangular de relações, estão aí os ingredientes para os "perigos" do "método".

O filme tem certa empostação nas atuações: falta de emoções de M. Fassbender ao encarnar Jung, seus desejos e suas angustias; frieza excessiva da parte de V. Mortensen ao interpretar o paternal Freud, aqui não apenas "pai da psicanálise"; 

E, principalmente, de Keira Knightley interpretando distúrbios psicológicos e surtos de Sabina que chegam a incomodar por certo exagero ou afetação;


Também há certa eloquência (quase artificial) nas imagens (belas e limpidamente construídas);


E uma narrativa com tom de distância histórica para transmitir "verdades biográficas" (algo que se trai nos créditos finais, quando coloca Jung como "o maior psicanalista do mundo").

Mesmo com essa parcialidade e ressalvas, o filme tem muitos elementos interessantes, os embates ideológicos de Jung, Freud e outros próximos contemporâneos como a própria Spielrein ou Otto Gross.

Por exemplo na relação mestre X discípulo ou
figura-paternal X filho-que-busca-caminho-próprio colocada entre Freud e Jung, que, entretanto, não recebe muitas nuances nem é muito aprofundada. 

O que mais se destaca no filme são os embates ilustrados por ações, que se dão quando as personagens se posicionam em relação a suas paixões, desejos, traições, entregas sexuais. 

Temas caros à psicanálise e que, quando discutidos e vivenciados no filme, apresentam grande riqueza.


Outras questões acabam não se aprofundando e entram no filme como dados biográficos ou em cenas extremamente verbais (já que o grande material de inspiração são as cartas trocadas pelas figuras em questão).

O filme acaba aguçando mais o desejo de ler essas cartas do que refletir sobre o que nos foi dado cinematograficamente.

Vale a experiência do filme bem feito e de uma área de conhecimento tão fascinante como a psicologia, mas aquém das expectativas em relação a um diretor com tantos filmes em sua bagagem 

(Desde A Mosca, passando por Gêmeos - Mórbida Semelhança - já comentado aqui - e Marcas da Violência) e cujo filme anterior havia sido o instigante Senhores do Crime.

terça-feira, 10 de abril de 2012

O Porto (Le Havre) - Aki Kaurismaki


O diretor finlandês Aki Kaurismaki, também conhecido por sua direção de O Homem Sem Passado, traz uma história bem européia em O Porto.
O filme se passa na costa oeste da França, onde um casal vive de maneira singela, tentando manter a dignidade em meio a uma quase pobreza. 


O senhor Marcel Marx é engraxate, mas mantém a postura em sua rotina, se deixando controlar pela mulher, Arletty, uma estrangeira que o resgatou de momentos mais duros (mencionados apenas ligeiramente no filme).

A rotina dos dois no subúrbio da cidade, apesar de melancólica, parece agradável e estável, mas a rotina sofre mudanças com a descoberta de um câncer em Arletty, que ela tenta cuidar sozinha para poupar o marido.

E muda, principalmente, com a chegada de imigrantes ilegais que tentavam se esconder para chegar em Londres.


Marcel se comove com a situação e passa a ajudar um garoto que consegue fugir da polícia. Marcel consegue envolver sua comunidade que se une e se apóia na empreitada.


Um microcosmo de uma situação vivida pela Europa, que a todo momento tem que se posicionar frente aos imigrantes, à xenofobia, a outras classes sociais, frente a lutas de igualdade, liberdade e fraternidade.

Questões complexas e muito caras ao velho continente. Apesar disso o filme não é emocionante e dramático. Mais contido ainda do que o similar francês de 2009, Bem-Vindo, já comentado aqui.

Ali a amizade entre um jovem imigrante ilegal e um europeu também se construíam em um crescente interessante, porém com desequilíbrios.


Em O Porto não há desequilíbrios, mas há um tom cerimonioso que parece de fábula, como se Kaurismaki quisesse manter distância da história, com gestos e diálogos um pouco empostados e artificiais.


A estética do filme também segue a distância, uma fotografia, arte e som que não precisam tempo e espaço.

O caráter não dramático do filme vem também por as personagens não passarem pelas clássicas transformações: não há crises psicológicas, questionamentos, conflitos e superações. Os conflitos são de ações e as soluções bem práticas. Toda complexidade ideológica que poderia estar presente diante de tal questão é resolvida de maneira simples, talvez pela postura do diretor de não ver dúvidas dos encaminhamentos corretos em relação aos imigrantes ilegais.

Nesse sentido, apesar de semelhanças temáticas com outro exemplar francês da última safra, As Neves do Kilimanjaro, também comentado aqui.


Não há a mesma ambiguidade e nem o mesmo envolvimento com as questões apresentadas. Mas há também a profundidade, beleza e poesia de uma trama humanitária. Vale embarcar!




segunda-feira, 9 de abril de 2012

E La Nave Va - Fellini


Microcosmo da sociedade a bordo de um navio. O funcionamento de um grupo artístico, o posicionamento das pessoas da alta classe frente a outras classes... A atitude, os gestos, as máscaras... E la nave va...

Por um trajeto tido como romântico, rumo às margens de uma ilha, para deixar as cinzas de uma cantora.


Os "colegas" da cantora estão ali (ex-companheiros de trabalho, futuras possíveis substitutas etc...). 

Está também o jornalista que serve como espécie de narrador do filme (figura comum entre os filmes de Fellini). E para representar as outras classes estão oficiais e os trabalhadores do navio.

O foco se inicia nos artistas, entre os quais tudo parece calculado e artificial, muita pompa e gestos  meticulosos, e olhares e palavras onde se vê falsidade e interesses ocultos.

Há jogos implícitos que acabam tendo seu rumo desviado quando o navio abriga sérvios, refugiados de guerra. Questões como preconceitos, paternalismos e desigualdade são levantadas...

Eles ao mesmo tempo trazem um naturalismo (com necessidades mais reais, como a fome e o frio e de expressão artística mais autêntica e espontânea, produzindo música como extensão de seus sentimentos). Essas atitudes se chocam com a dos artistas em suas ações mecânicas.

A discussão de classe também se aprofunda, principalmente quando o navio começa a ser atacado e sofre a ameaça de afundar... 

Muitas metáforas possíveis desde as mais visíveis lutas de classe, passando por metáforas de guerra, revoluções sociais, sistemas políticos... Símbolos para o capitalismo, movimentos operários... O mundo em seu microcosmo que "vai"...


Cumprir ou descumprir seus propósitos (jogando cinzas ao mar ou afundado)...


Muitas camadas e muitos mergulhos possíveis, um oceano felliniano podendo ser desbravado...

domingo, 8 de abril de 2012

Os Palhaços (I Clowns) - Fellini


As narrativas de Fellini são comumente construídas a partir de esquetes, de cenas representativas, alegóricas e, nesse caso, de homenagem.

Encantado pela magia do circo, Fellini reconhecia no cinema a possibilidade de sua sétima arte como palco para os mesmos encantos... 

As personagens, as máscaras (narizes vermelhos ou olhos maquiados - vide Giulietta na cena final de Cabíria), a comédia, a fantasia, o faz-de-conta, os Palhaços...


Aqui vemos a reconstrução de quadros circenses filmados com pretexto de lembranças e considerações do próprio Fellini e de uma reportagem para homenagear grandes nomes da arte do circo. 

Assim, entrevistas com importantes palhaços europeus dão o tom de reverenciamento, mas também de melancolia...

(o que é frequente ao se falar do circo, grande arte e entretenimento de décadas atrás e agora em substituição e decadência, como trabalha também Selton Mello em seu último filme, já comentado aqui).

Acaba ficando no filme um tom de um tempo que se foi (e não volta mais?), de palhaços que estão esquecidos, aposentados, sem brilho...


Fellini reconstrói cenas e ressuscita grandes artistas, mas também deixa no ar o questionamento de até onde se tem fôlego para que essa chama permaneça! 


(Já que na cena final com uma longa reconstrução de um quadro circense, um dos palhaços precisa se sentar para se recompor).


Que permaneça o circo, que permaneça Fellini!