quinta-feira, 20 de abril de 2017

Joaquim - Marcelo Gomes


Marcelo Gomes faz parte do criativo grupo de cineastas pernambucanos, com colegas como Karim Aïnouz e Paulo Caldas.


Seu primeiro longa - Cinema, Aspirinas e Urubus - foi uma ótima estréia que repercutiu muito bem.

Em seguida fez Viajo porque preciso, volto porque te amo - já comentado aqui; Era uma vez eu, Verônica e o Homem das Multidões.

Seu trabalho mais recente, Joaquim, foi fruto de um convite de TVs européias, interessadas na história das colônias ibéricas.

Aqui, Marcelo buscou um olhar diferente para a história de Tiradentes, já retratada em outros filmes e séries, mas nunca antes reconstruída a partir de um ponto de vista mais intimista e humano.

O principal mérito de Marcelo é investigar como seria a vida de um alferes mineiro no século XVIII: qual seria seu cotidiano, suas ambições, suas aflições, seus afetos, desafetos e sonhos?

Mais do que um dos líderes da Inconfidência Mineira, o filme retrata Joaquim (e até por isso não se menciona muito seu sobrenome ou apelido), um homem sensível, suscetível a inquietações e observador do sistema e injustiças ao seu redor.

O filme faz um bom trabalho de registro de seu dia-a-dia, construção dos personagens, relato da situação política do cotidiano da população daquela região.

E traz também uma busca intimista em sua narrativa: câmera próxima e na mão, luz natural, cenas de improviso, interpretação naturalista, multiplicidade de línguas e sotaques.
(sem legenda - fiel à comunicação diversificada de uma cultura em formação)...

Nesse retrato, faltou talvez se aproximar mais das emoções dos personagens, nos fazer palpitar com seus amores, pulsar com suas indignações, sofrer com suas privações.

Somos espectadores distanciados, que vemos um lado íntimo e cotidiano da história, mas sem estarmos ao lado, sentindo esse dia-a-dia em nossas peles.

Vale pela viagem. No tempo, no espaço, na cultura, na história.

Uma história que não vemos começar no século XVIII e que tampouco termina, ela repercute até hoje: na precariedade, na injustiça, na corrupção, no machismo, na desigualdade, na mistura, nos amores, nas traições, nas revoltas, nas confidências e inconfidências também...


terça-feira, 11 de abril de 2017

Onde será a próxima invasão (Where to Invade Next) - Michael Moore


Figura carismática, polêmica, transgressora, manipuladora e talentosa, Michael Moore é um cidadão crítico e irreverente. Com um olhar ácido sobre as injustiças ao seu redor, aproveita sua língua ferina para criar discursos e narrativas de esclarecimento e denúncia em linguagem audiovisual (seja no cinema, na TV ou nas livrarias).

Abordando desde grandes temas como a violência norte-americana - Tiros em Columbine, o envolvimento dos EUA em guerras - Fahrenheit 9/11, até questões pontuais como o sistema de saúde americano - Sicko.


Em Onde será a próxima invasão, Moore faz um pout-pourri de questões que o incomoda nos EUA - também entendido como um dos principais representantes do sistema capitalista.

Basicamente as questões se relacionam com a falta de assistência social às pessoas: trabalho exploratório, falta de descanso, direito à alimentação, educação, moradia e mesmo à redenção diante de erros, fraquejos e crimes.

Num giro pela Europa, Moore entrevista pessoas sobre esses tópicos e faz comparativos com os EUA, mostrando as vantagens de iniciativas de bem estar social da Itália, Portugal, França, Alemanha, Finlândia, Islândia...

Como sempre, Moore não nega sua abordagem tendenciosa e manipuladora (ele não relativiza nem faz nenhum questionamento aos exemplos que apresenta, por exemplo), o que pode incomodar a muitos. 

Mas por outro lado é muito mais honesto que grande parte dos documentários que posam de "imparciais" mas que sempre vão conter uma opinião e um ponto de vista.

Adicionar legenda
Moore pode ser cansativo em seus apelos, mas é efetivo: nos provoca, incomoda e suscita diversas reflexões, valem a pena as cutucadas (esta disponível pelo Netflix)

Eu, Daniel Blake (I, Daniel Blake) - Ken Loach


Ken Loach é um dos cineastas mais admiráveis de nossos tempos: numa filmografia permanente, constante, comprometida e sensível.


É um dos raros que consegue nos surpreender e elucidar com análises socioeconômicas, ao mesmo tempo que nos aproxima de personagens humanas, com poesia, delicadeza, humor e muito, muito amor.


Seja em filmes mais triviais e divertidos como Tickets, À Procura de Eric ou À Parte dos Anjos - já comentado aqui.


Seja em filmes históricos como seu segmento em 11 de Setembro ou Ventos da Liberdade.

Seja em romances como Apenas um Beijo, que além de uma história de amor com pitadas de Romeu e Julieta adaptados a tempos contemporâneos, em que o par é formado por um imigrante paquistanês muçulmano e uma professora católica irlandesa que vivem as impossibilidades dessa união.


Ou ainda em grandes dramas intimistas como Meu nome é Joe, Rota Irlandesa - também presente no blog - e sua ficção mais recente: Eu, Daniel Blake.


Aqui acompanhamos a trajetória de um homem de cerca de 60 anos, que tem um problema de saúde e precisa se afastar do trabalho, entretanto o Estado não aceita essa justificativa e lhe nega os benefícios.

Se ficar o bicho pega, se correr o bicho come.
Arriscar a saúde e garantir sua sobrevivência ou seguir as recomendações médicas sem condições?


Sua luta é em busca de alternativas, que o capitalismo parece diminuir cada vez mais. 

O antagonista aqui não é uma pessoa, mas o "sistema". O "sistema" que cai quando preenchemos fichas, o "sistema" que diz se temos esse ou aquele perfil, o "sistema" que diz que não nos encaixamos nele.

Em contraponto está o protagonista, Daniel Blake, esse senhor que sem heroismos ou grandes atos, vive seu cotidiano com extrema dignidade, e com polidas, mas intensas demonstrações de afeto.


Assim, em seus percalços conhece outras pessoas e se relaciona com elas, espalhando sua ética e compaixão.

Um exemplo: de personagem, de ser humano, de filme (justamente reconhecido e premiado - Cannes 2016).


Falta agora buscarmos saídas e finais felizes, para esse drama que vemos na tela e em nosso dia-a-dia.

segunda-feira, 3 de abril de 2017

Os belos dias de Aranjuez (Les beaux jours d'Aranjuez) - Wim Wenders


Wim Wenders é um dos cineastas contemporâneos mais importantes. Na sua filmografia há obras-primas como Asas do Desejo e Paris Texas - já comentado aqui.

Nos últimos anos Wenders tem se dedicado mais a investigações, sejam temáticas expressas em documentários como Buena Vista Social Club, Pina ou o Sal da Terra - também comentados aqui.


Ou em experimentações de linguagem, por exemplo a exploração do 3D.

Em seu filme mais recente Wenders explora o 3D, mas numa construção simples (ou simplória): a adaptação de um texto teatral, no qual um homem e uma mulher contracenam conversando em um jardim: Os belos dias de Aranjuez.

Dessa simplicidade vem momentos bonitos, reflexões interessantes, com pitadas de poesia e lirismo.

Mas vem também o questionamento se o cinema era mesmo a melhor janela para se contar essa história... 

O que terá acrescido à narrativa não ter sido uma nova versão de Fragmentos do Discurso Amoroso de Roland Barthes ou mesmo a peça de teatro de Peter Handke, da qual Wenders partiu.

Justamente o que parece faltar à trama é a tridimensionalidade que o audiovisual permite. 

Afora parênteses da narrativa principal (três momentos musicais que suspendem a narrativa e trazem um respiro e contraponto), o filme segue linear e verborrágico.

Há romance, há filosofia, há a discussão sobre desejo, paixão, amor, descobertas, masculino x feminino, mas tudo parece condensado, confinado, limitado, quase confinado. 


O oposto do que vemos em suas grandes obras, que a partir de uma cena, podemos ser levados a infinitas dimensões...