terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Os EUA X John Lennon (The U.S. vs. John Lennon) - David Leaf e John Scheinfeld


David Leaf e John Scheinfeld, experientes em documentários televisivos e musicais, descobriram no período da vida de John Lennon em que ele morou nos EUA uma fonte inspiradora e promissora para um documentário.


Além das trilhas excepcionais que vem em conjunto (Imagine, Give Peace a Chance, Revolution etc), Os EUA X John Lennon traz questões complexas e sintetizadoras de uma época.

Como o próprio Lennon diz, da geração "flower", que teve que aprender com as frustrações (a derrota da "paz e do amor") e se reconstruir e se redirecionar - além de descobrir ou inventar como enfrentar seus inimigos.

O documentário traz questões ao mesmo tempo pontuais e bastante abrangentes, como a censura e o direcionamento político do Lennon e dos EUA e a contraposição apresentada.

Do país cada vez mais militarizado e intensificado na Guerra Fria e de um Lenon cada vez mais politizado, atuante e pacifista.

(o levando inclusive a um distanciamento dos Beatles - que culminou em seu fim; à aproximação de Yoko e a intensificação de sua parceria - afetiva e artística; aproximação com movimentos sociais e políticos - contra a Guerra do Vietnan, contra prisões de censura e porte de drogas, com os Panteras Negras, ou mesmo pela própria liberdade).

Para isso o documentário se apoia em dados biográficos de Lennon, suas músicas e depoimentos ilustres: do próprio John, Yoko, Nixon, McGovern, J. Edgar Hoover, Tariq Ali, Noam Chomsky etc.

O filme narra bem as questões pontuais envolvendo Lennon, entretanto não vai além na abrangência dos temas discutidos. Buscando uma linguagem acessível exagera no uso das trilhas (praticamente não há depoimentos sem trilha), e os depoimentos são sempre cortados (breves em nome de um dinamismo que compromete o tempo necessário para reflexões mais elaboradas).

Faltam intervalos entre as músicas, contemplação e reflexão, até para dar mais força ao poderoso material de arquivo. E também para dar mais força às músicas, para elas poderem reverberar melhor seus discursos e sua poesia.

Válido, envolvente e interessante, mas aquém das possibilidades.


quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

O Som ao Redor - Kleber Mendonça Filho


Curta-metragista, crítico e curador, Kleber Mendonça se "arrisca" em seu primeiro longa: O Som ao Redor.

O resultado: excelente.

A partir de registros atentos aos sons de um bairro de classe média (ou média-alta) em Recife: moradores, animais, veículos etc - todos os pormenores do som ambiente em uma seleção de tons graves - somos levados a um clima de constante  suspense...

Assim, do cotidiano que vai sendo descrito, vamos esperando algum grande acontecimento.

Porém o mérito e diferencial do filme é a narrativa desdramatizada - tão pouco explorada no cinema brasileiro e muito atual e contemporânea.


A direção de Kleber remete a novos e instigantes nomes do cinema atual como o grego Giorgos Lanthimos do premiado Canino e do mais recente Alpes (já comentados aqui) ou mesmo do cinema já mais consagrado de Haneke (de obras como A Fita Branca).

O Som ao Redor dialoga com esse cinema mundial ao mesmo tempo que traz situações bastante locais (desde a música, o vestuário, a paisagem, o sotaque e diversos detalhes prosaicos);

até questões complexas, históricas e profundas (como as diferenças de classes e o coronelismo).

Kleber consegue ainda traçar um paralelo genial entre o coronelismo clássico e um neo-coronelismo de grandes prédios e condomínios.

E é por esse viés que Kleber nos surpreende e nos arrebata.

O filme vai apresentando um crescente suave, com diversas esquetes e situações que parecem quadros documentais do cotidiano (que a linguagem simplificada e a interpretação contida contribuem).



- Com raras exceções não realistas e extremamente líricas e poéticas.

Na soma e costura das cenas não vão sendo reveladas conexões diretas e nem vão sendo estabelecidas grandes curvas dramáticas.


Kleber deixa para o final, de sopetão, o traçado da relação entre todas as cenas e personagens, propondo uma reflexão profunda sobre o ambiente retratado - e que reverbera com amplitude em nossas vidas (ao menos da dos brasileiros em geral).

O Som ao Redor é um filme não apenas para ser visto, mas ser revisto, refletido, reflexionado, falado e propagandeado! Muito eco para esse som!

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

As quatro voltas (Le quattro volte) - Michelangelo Frammartino



Segundo longa do diretor italiano Michelangelo Frammartino, As Quatro Voltas encanta e surpreende.


O cineasta e crítico (e etc):
Eduardo Valente falou muito bem sobre o olhar de Frammartino que parte de um tom idílico para descrever a vida de um pastor no campo, mas que logo vai além...

"o que poderia facilmente se contentar em ser apenas um filme de olhar distanciado, algo entre o cinema de arte autocongratulatório pelo seu “olhar delicado” e um National Geographic humanista
(e o diretor demonstra ter cacife e facilidade para fazer um exemplar de ambos muitíssimo bem resolvido), na verdade é um filme de imenso controle do seu andamento, seja através do ritmo, seja através, principalmente, de uma precisão absurda de enquadramentos."


A linguagem de As Quatro Voltas de fato é precisa, mas ao mesmo tempo pulsante, genuína e poética.


A precisão não parece vir de uma busca racional e matemática, mas como a única maneira possível para narrar aquelas situações e aquele contexto, cheios de uma REALidade que remetem a Alberto Caeiro - heterônimo de Fernando Pessoa - ou questionamentos de Nietzsche/Zaratustra

Mas como coloca Valente, Frammartino não se prende a romantismos ou nostalgias, sua poesia vem da secura e a beleza vem do realismo.

Seu drama não traz pesares ou esperanças, traz (graças e desgraças de) ciclos da vida (dos homens, animais, plantas, sol, chuvas, neves...).

Apesar da ausência de diálogos, das poucas personagens, situações simples e concisas, As Quatro Voltas prova que o menos pode ser mais.


E como o cinema pode ser pequeno e magistral ao mesmo tempo.