segunda-feira, 4 de junho de 2012

Uma longa viagem - Lúcia Murat


Não é a primeira vez que Lúcia Murat traz para seus filmes temáticas de sua vida, o que já havia feito em seu belo filme Quase Dois Irmãos

Também não é a primeira vez que mistura linguagens e propõe experimentos. Mas em Uma Longa Viagem isso vem em um documentário extremamente pessoal.

A história de um trio de irmãos: ela, Miguel e Heitor - memórias motivadas pela morte de Miguel e focadas na trajetória do caçula Heitor, que inclusive ganha uma versão jovem vivida por Caio Blat.

Caio atua em reconstituições performáticas: narrações de cartas e interpretações até mais próximas da linguagem da videoarte do que do cinema (seja de ficção ou documental).

Heitor, um inquieto de espírito errante, em busca de respostas, em busca de espiritualidade, em busca de si mesmo... Em busca ou em perdição?

O contexto libertário dos anos 70 no qual o filme é focado propicia muitas considerações, críticas, avaliações e encantamentos da narradora-personagem-diretora Lúcia Murat. 

Que também tem sua história contada como importante coadjuvante dessa trajetória, aquela que amargou pelos ideais irreverentes de mudança, lutando na política e sendo presa política por alguns anos no Rio de Janeiro.

O filme é bastante interessante e estimulante, como uma minoria de filmes é capaz. Entretanto algo sobra ou falta... Devido ao tema, à abordagem, ao contexto, talvez necessitasse uma condução ainda mais intimista. 

Talvez a definição mais radical de seu foco, "a longa viagem de Heitor", pudesse ajudar o público, aquele que não tem nenhuma relação direta com a história, mas que pode se intrigar, instigar, comover e até se indentificar...

Talvez a postura mais dura e crítica da própria Lúcia dificulte essa abordagem. E talvez ela não tenha conseguido se colocar como uma personagem emotiva, sua narração e intervenção na história parece sempre racional, ainda que falando do amor aos irmãos. 

E para essa história, para as reflexões que o filme propicia, de uma pessoa em busca de si mesmo, viajando pelo mundo, tentando um foco interior e perdendo o contato com o mundo exterior.

Viagens propiciadas não só pelas passagens pela Europa, América e Ásia, mas também pelas drogas, alucinógenos de todos os tipos!

As lindas cartas narradas, de extrema e intensa poesia, provocam certa conexão com as personagens e suas histórias, mas o tom do filme não acompanha a mesma poesia, se prende a um registro mais objetivo e se perde um pouco...


Iniciativas como essa, movem a linguagem cinematográfica, mas não ter sido tão radical lhe deixa no meio do caminho, encurtando um pouco a viagem...

quarta-feira, 30 de maio de 2012

O que eu mais desejo - Koreeda



Autor de obras televisivas e documentais, Koreeda se firma cada vez mais na ficção cinematográfica em títulos como Depois da Vida, nos mostrando, a cada título, que sabe misturar fantasia e cotidiano e sabe nos emocionar!


Como no maravilhoso Ninguém Pode Saber, novamente o foco é nas crianças e em seu cotidiano - desde as pequenas tarefas, os diálogos fantasiosos e a ludicidade das brincadeiras e peripécias.


Em O que eu mais desejo, dois irmãos se veem vivendo separados após a separação dos pais e desejam reverter a situação.

Para isso passam por uma trajetória onde diversas dificuldades aparecem, amigos e familiares se envolvem e as crianças passam por grandes aprendizados.

Há uma trajetória bem clássica de jornada do herói, na qual os meninos estão em intenso aprendizado.

Mas há também a orientalidade presente desde o cotidiano representado, até o tom dos diálogos e do drama e do humor.

Para um ocidental, há cenas em que parecem um pouco desconexas, sem uma lógica muito ordenada, mas que se intui claramente vir da diferença de cultura. 

A escolha de trilhas, assuntos das tramas secundárias e estética do filme tem apelos pop que também se percebe fazerem mais sentido entre os japoneses 


(assim como As Melhores Coisas do Mundo, de Laís Bodanski (já comentado aqui), que tem semelhanças de universo e tom, talvez possa ter aspectos mais intensos para nós brasileiros).

De qualquer maneira, o resultado é um filme universalmente gracioso, para se assistir sorrindo do começo ao fim, seja com lágrimas nos olhos ou comichão de risos na barriga.

Destaque para o trabalho de atores entre tantas qualidades do filme. Confiram!


sexta-feira, 18 de maio de 2012

Raul - o início, o fim e o meio


Documentário musical de figura ilustre. Difícil não se interessar pela genialidade e espontaneidade do rockeiro Raul Seixas. (Trabalho de garimpo com material brilhante per si, (como outros como Uma Noite em 67, já comentado aqui)


Entretanto a abordagem de Walter Carvalho, em parceria com Evaldo Mocarzel e Leonardo Gudel, é irregular - do glorioso ao tom de fofoca, dos registros ilustres aos registros desnecessários.

Realmente deixa transparecer a obstinação precoce de Raul pelo rock, sua intensidade em tudo que fazia, sua afetuosidade, sua criatividade, sua versatilidade...

Isso tudo está lá, impresso em alto e bom som!

Mas o documentário se perde um pouco em meio a tanto material e não se aprofunda nas personagens. Mais do que não se aprofundar, se deixa levar por primeiras impressões e nos leva no mesmo caminho... 

Explora bem alguns depoimentos mais ilustres como de Caetano e Nelson Motta, mas apenas pincela com Tom Zé, por exemplo.

Acaba propiciando certo constrangimento com as figuras desconhecidas que dão seu depoimento como uma possibilidade do minuto de fama.


O garimpo por tantas pessoas da infância e juventude de Raul são de tanta riqueza que gastar um pouco mais de tempo com elas, deixando passar a ansiedade da entrevista e chegando ao âmago de outras questões talvez tivesse sido mais interessante.


E acaba incentivando também questões em tom de intriga, sobre quem teria sido o melhor parceiro ou melhor parceira. 

Ao invés de focar sobre o que teve de contribuição de cada um na vida de Raul, questão que acaba ficando mais passageira.

Essa abordagem por um lado é reveladora dos conflitos pelos quais Raul viveu, mas também dão um tom de investigação que de certa maneira não nos leva a nenhum lugar especial.



E acabam gerando inclusive certo desconforto pela exposição de filhos, netos e ex-mulheres.



 Que muitas vezes parecem buscar um discurso específico para a câmera e não um discurso com revelações e confissões mais profundas.

Um lado intimista de Raul que poderia ser mais revelador! (que está mais rascunhado pelas imagens de arquivo).



Por exemplo ao final, em certa reconstituição dos passos daqueles que acompanharam os minutos finais desse grande ídolo. Desnecessário.

O resgate histórico do material iconográfico e principalmente sonoro é riquíssimo, mas a abordagem infelizmente fica aquém.


Principalmente pela expectativa provocada por esse excelente diretor de fotografia (entre os mais recentes: Terra Estrangeira, Lavoura Arcaica, O Céu de Sueli, Santiago, Heleno) e por esse diretor já consolidado com o belíssimo documentário Janela da Alma, a boa ficção Cazuza, o tempo não pára ou mesmo a adaptação de Budapeste, já comentado aqui.

Sem a pretensão de ver Raul em seu início, seu fim e seu meio, ressaltam pérolas de passagens como:
"quem não tem presente se conforma com o futuro". 

ou: "No cume calmo do meu olho que vê, assenta a sombra sonora de um disco voador..."




quinta-feira, 10 de maio de 2012

Fellini e seus filmes alegóricos


Adentrar no universo de Federico Fellini é adentrar as suas referências de vida: desde passagens recorrentes que se pode imaginar de inspiração autobiográficas, como o circo, por exemplo.

Ou a presença de mulheres fortes em sua vida, e seu imaginário feminino, de desejos despertados, reprimidos, recalcados e realizados desde sua infância.

(Como podemos ver claramente em Amarcord, 8 e 1/2 ou no já comentado aqui: Cidade das Mulheres ou mesmo de maneira mais discreta em filmes com outro foco como Roma).



De maneira geral, não só em figuras e passagens específicas apontadas em praticamente todos os seus filmes, a sexualidade é um tema caro ao mestre italiano.

Figuras históricas e mitológicas presentes em filmes como Casanova e Satyricon, que trazem diversas questões abordando o sexo, o desejo, a fidelidade, as perversões, as fantasias...

E para a culpa de tantas questões polêmicas vem a religião.

Outro tema bastante presente em sua filmografia, perfeitamente justificado pela forte presença da igreja na Itália e toda opressão provocada em cidadãos italianos críticos como Fellini.

Essas diferenças com a prática religiosa cristã transparecem em Amarcord e pontuam o final de Roma:

No qual se vê a rasidade, falsidade e hipocrisia de grande parte da igreja católica (representados em Roma por um desfile de moda com trajes para padres, bispos e cardeais).

As críticas à opressão, hipocrisia e falta de liberdade são bem entendidas dentro de um contexto do pós guerra e fortalecimento do fascismo vivido na Itália, e constantemente retratado, citado e sugerido nos filmes de Fellini.

Isso sem falar na própria arte e seus temas metalinguísticos, muitas vezes construindo microcosmos (como em E la nave va e Ensaio de Orquestra) ou colocando o próprio tema da criação em questão, (como em 8 e 1/2...)


Com essas e tantas outras questões em mente, muitas vezes os filmes de Fellini resultam grandes colchas de retalho, vários temas trazidos em alegorias, com exagero e em caricaturas (também influência circense), sem a verossimilhança do neorealismo italiano por onde começou.

(De onde se entende filmes como Noites de Cabíria, também comentado aqui), mas com uma verdade que pulsa como em poucos artistas.

Talvez por isso mesmo Fellini tenha sido tão reconhecido nacional e internacionalmente, entre críticos de todas as partes (ganhou algumas palmas em Cannes e algumas estatuetas da Academia Americana) e entre o público.




Salve Fellini!

quarta-feira, 9 de maio de 2012

Eu receberia as piores notícias de seus lindos lábios - Beto Brant e Renato Ciasca


Parcerias de longa data, mais uma vez Beto Brant dirige ao lado de Renato Ciasca em história baseada em livro de Marçal Aquino (companheiros de ótimos filmes como Ação entre Amigos, O Invasor e Cão sem Dono).


Aqui a história de lindo título (eu receberia as piores notícias de seus lindos lábios) é de um triângulo amoroso, mas com várias questões de fundo: desde o sexo, drogas e "rock and roll" até complexidades envolvendo o próprio tema do triângulo.

Como o conflito entre o desejo e o companheirismo, a identificação e a gratidão... Diferentes tipos de amor em colisão.

Porém nem todas as questões de fundo tem força e se integram organicamente à narrativa. Por exemplo a questão de uma área devastada pelo desmatamento, não chega a se tornar metáfora para o devastamento das personagens e acaba sobrando... 

Ou o final que também poderia ser mais conciso e instigante.

O roteiro acaba resultando irregular, com cenas e situações contundentes e profundas e outras descoladas e artificiais. Também na estética onde se contrapõe cenas belíssimas com outras de imagens mais sujas (e sem que isso dê ganho à narrativa).


O mesmos e dá com o elenco, que em personagens secundários às vezes enfraquece as cenas (como as do delegado). 

Mas nos principais é ponto unânime, mérito do filme a escolha de seu trio de protagonistas: Camila Pitanga, Zé Carlos Machado e Gustavo Machado.

A personagem de Camila realmente salta aos olhos, não só pela beleza dos "lindos lábios" mas também por uma entrega da atriz que se vê na tela.


Principalmente nas cenas com Zé Carlos Machado nas quais há uma intensidade admirável!

Filme bom, mas que poderia ir além.