sábado, 13 de setembro de 2025

Ritas - Oswaldo Santana e Karen Harley

    Os conhecidos montadores do audiovisual brasileiro, Oswaldo Santana responsável por obras como Tropicália e Bruna Surfistinha e Karen Harley responsável por Viajo porque preciso, volto porque te amo e Que horas ela volta? (já comentados aqui no blog) se uniram em um projeto especial. 

    A dupla comprou os direitos da autobiografia de Rita Lee em 2018 e começaram a trabalhar na narrativa da vida da artista, tanto fazendo uma longa entrevista - a última dada por ela, quanto pesquisa de material de arquivo.     

    Entre os materiais também a produção própria de Rita com vídeos feitos por ela em sua casa, ressaltando o humor e autenticidade dela, mas também apresentando o lado sereno e íntimo.

    Algumas frentes de trabalho e muito material em ebulição, a potência e versatilidade de Rita Lee foi transbordando e dando corpo ao documentário, inclusive definindo o título que traz a multiplicidade da artista, o documentário não traz apenas uma Rita, mas Ritas.

    Há a Rita filha de classe média alta paulistana; há a Rita adolescente roqueira rebelde; há a Rita que integrou o Mutantes, alcançou o sucesso, dialogou musicalmente com a efervescência artística dos anos 60 e 70 no Brasil; há a Rita expulsa dos Mutantes numa situação que revela muito sobre ela e sobre a banda, dando um contraponto da versão de Arnaldo Batista, apresentada no documentário Loki - já comentado aqui; há a Rita que se reinventou numa carreira solo; a Rita que encontrou um grande amor e intenso parceiro de vida e de arte, Roberto de Carvalho; a Rita do sexo, das drogas e do rock; a Rita da maturidade, do envelhecimento, mãe e avó...

    Com uma personagem tão rica e encantadora já havia muito potencial para seduzir o público, mas a costura dessa "geléia geral" com belas animações e trilha muito bem pontuada e utilizada valorizam ainda mais a narrativa.

segunda-feira, 8 de setembro de 2025

Meu nome é Gal - Dandara Ferreira e Lô Politi

     A onda das cinebiografias musicais é paradoxal: nos enchem de expectativas difíceis de se cumprir por um lado, mas, por outro, ao escutar os grandes sucessos dos artistas, temos nosso deleite garantido...

    Não poderia ser diferente com um filme sobre Gal Costa.

    Aquém da artista e da obra, as diretoras Dandara Ferreira e Lô Politi acertam na narrativa enxuta e intimista, se focam no início da carreira artística de Gal, quando ela ainda era Gracinha, para então se tornar Gal Costa.

    O filme é sobre esse despertar, com uma Gal engatinhante, assustada, experimental.

    Sophie Charlote dá vida a essa busca com encanto e simpatia, da moça tímida mas corajosa, que larga sua cidade para encontrar os amigos músicos e parceiros. A Gal Costa que tenta agarrar oportunidades de mostrar seu talento para interpretar bossa nova, mas que começa a se destacar no movimento que ali se inicia da Tropicalia, até se mostrar consolidada por todo seu talento.

    Eram tempos quentes, de luta entre a ditadura e os movimentos de resistência e guerrilha comunista e de efervescência de posicionamentos frente a esse cenário.

    As artes em especial borbulhavam e a MPB se mostrava especialmente fértil.

    Meu nome é Gal pode não borbulhar, mas provoca a emoção e nostalgia do tempo e dos artistas especiais que retrata.

    Um filme sem arroubos, mas para se curtir e se colocar na vitrola sem medo...



sábado, 6 de setembro de 2025

A reserva (Reservatet) - Ingeborg Topsøe



    A reserva de Ingeborg Topsøe é uma minissérie de seis episódios sobre o desaparecimento de uma jovem babá filipina na Dinamarca.

    A série é muito bem feita: boa fotografia, direção de arte interessante, som instigante e boa direção de atores. 

    Há personagens e núcleos bem definidos: os milionários x seus funcionários, os egoístas x os solidários, os adultos x as crianças.

    A série faz de um suspense clássico mais uma oportunidade para se discutir a adolescência: quem são esses novos jovens que vivem um mundo paralelo no universo digital?
    E aqui com a peculiaridade da convivência com babás vindas de outra cultura e nessa relação complexa de alguém que para as crianças merecem um afeto familiar, mas que, ao mesmo tempo, não pertencem ao seu mundo.

    Faz lembrar o filme Que horas ela volta? mas também séries mais recentes como Adolescência e Expatriadas.

    Sem propor grandes arroubos, mas muito bem construída e costurada, envolve e instiga.

Longe deste insensato mundo (Far from the Madding Crowd) - Thomas Vinterberg

    Thomas Vinterberg é um dos mentores do Dogma 95 e diretor do filme ícone Festa de família. Também autor de outros filmes profundos e intimistas, como Submarino e A caça, já comentados aqui. Porém Vinterberg é um cineasta versátil e com Longe deste insensato mundo mostra um lado mais clássico seu.

    Vinterberg se baseia no romance do inglês do século XIX Thomas Hardy e traz uma Inglaterra vitoriana. 

    Bathsheba é uma jovem não convencional, estudada e sem pretensões de seguir o destino padrão de casar e constituir família. Assim ela recusa pretendentes e foca sua vida em fazer prosperar a fazenda que herda. 

    São muitas frentes que o filme apresenta, mas acaba não aprofundando nenhum tema. Em seu panorama rasante, acaba realmente raso e pouco convincente. 


    Traz uma protagonista doce, vivida por Carey Mullingan para um papel de muita personalidade e traz pretendentes leais, mas tampouco vemos o que os faz manter tão conectados à heroína.

    Acompanhamos o filme que é muito bem feito com dedicação, mas sem empolgação - bem diferente de outras experiências vinterbergianas!


quinta-feira, 4 de setembro de 2025

Uma bela vida (Le Dernier souffle) - Costa-Gravas

    Costa-Gravas é um diretor de seu tempo e de sua história, após filmes com temáticas políticas - alguns já comentados aqui, chega aos 92 anos falando sobre o fim da vida.




    Em Uma bela vida ele traz o filósofo Denis Podalydès às voltas com sua própria saúde e se aproximado do médico Kad Merad, que se especializou em cuidados paliativos. Assim ele tenta entender de que se trata essa especialidade e como funciona seu trabalho.

    E, assim também, Denis se aproxima de diversas pessoas que estão próximas ao seus fins e que querem decidir como viver esse momento: acompanhados, sozinhos, de maneira mais cética, mais religiosa, festivas, introspectivas etc.

    Com cada decisão prática tomada podemos ver as repercussões filosóficas e existenciais.

    Um filme simples, com uma forma despretenciosa, sem grandes cenas e amarrações, mas funcionando como uma boa janela narrativa para essa discussão e reflexão.

    Em tempos de envelhecimento da sociedade e de avanços na medicina, é muito interessante provocar o debate e mantê-lo vivo e em aberto.

sexta-feira, 29 de agosto de 2025

Vitória - Andrucha Waddington

    Baseado em fatos reais, Vitória conta a história de uma senhora que foi testemunha ocular do crescimento e banalização do crime no Rio de Janeiro. O tráfico sendo comercializado à luz do dia, indiscriminadamente.

    Indiscriminadamente, palavra que resume um tanto a situação, parece ter o crime em seu centro, mas de forma disfarçada, negada, sem ordem ou controle... Mas pior, um controle pulverizado, de todos que tentam se beneficiar de sua propriedade.

    A denúncia da senhora motivada pela sua busca de sossego e normalidade, de uma vida que não precise ser interrompida por tiroteios a todo momento, mas que vai de desenrolando em uma denúncia muito maior, envolvendo uma rede de tráfico, de policiais, de políticos... O estado atual do crime organizado.

    Alguém da sociedade civil não pareceria ter voz para se levantar contra nada disso, mas acontece. E apenas alguém muito autêntica, como é o caso de Dona Antônia, vivida bravamente por Fernanda Montenegro.

    Fernanda é uma atriz ícone, não há dúvida de sua grandiosidade, mas é lindo vê-la brilhar. Aqui, nos holofotes sombrios das tomadas sem muita luz, dos gestos que se veem eloquentes num virar de olhos, na respiração mais tensa, no colar de cacos da xícara e da vida da personagem... 

(Faz lembrar da Fernanda Montenegro que separava feijões com Gianfrancesco Guarnieri em Eles não usam black-tie de Leon Hirszman, em 1981).

    Vitória dá destaque à história, às personagens, às intimidades envolvidas pelos morros cariocas. Toda sua direção é econômica mas muito precisa e aí está sua força, o filme não se perde em acrobacias narrativas ou de cena, nada é gratuito, tudo se encaixa e se amarra, apenas no desencadear de fatos, sem malabarismos.

    E assim o filme fica íntimo, mas potente, não apenas com a protagonista mas com todo o elenco, não apenas no clímax e em cenas de ação ou reviravoltas, mas também no cotidiano, nas reuniões de condomínio, nas amizade com um dos meninos que vive a vulnerabilidade da vida no morro, vivido por Thawan Lucas, ou com uma mulher trans que busca alternativas para uma vida digna e segura, vivida por Linn da Quebrada, ou ainda na parceria fundamental com o jornalista que assegura sua vida e sua história, vivido por Alan Rocha.

    Belo trabalho de Andrucha Waddington.